Ofício Divino
A monja beneditina é aquela que santifica o tempo através do louvor divino.
Vamos sete vezes ao dia à Igreja para a oração do Ofício Divino, em intenção e união por toda Igreja e por toda humanidade.
Abaixo deixamos o nome e o significado espiritual de cada uma das Horas do Ofício Divino.
Vigílias, a oração noturna
“Vigília” significa a vigilância para a segurança da cidade. É um conceito derivado da linguagem militar, pois, à noite, o soldado deve estar no seu posto, montando guarda.
Os monges vigiam para, na oração, se encontrarem com Deus. E ainda para o bem da população. Com sua vigília noturna, eles prestam um serviço ao mundo. Vigiam orando, para que ninguém seja assaltado por inimigos internos. A vigília é o tempo mais demorado de oração; nesse momento, recitam-se salmos e medita-se sobre como penetrar no mistério da vida diante de Deus. Enquanto todos dormem, os monges cuidam para que o mundo não se afunde no inconsciente, mas seja despertado pelo Espírito de Deus e enfrente a realidade de olhos abertos. E vigiando querem participar da oração de Jesus, de quem Lucas afirma: “Passou a noite toda em oração a Deus” (Lc 6,12b).
Os salmos nos dizem que é, sobretudo, durante a noite que se deve refletir sobre as instruções e o agir de Deus. “Recordo teu nome no decorrer da noite, Senhor, e observo tua lei” (Sl 119[118],55). E como base para a vigília dos monges, são Bento cita outro versículo de um salmo predileto: “No meio da noite me levanto para te louvar pelas tuas justas normas” (Sl 119[118],62). A noite é um tempo propício para se refletir sobre as obras de Deus. Por isso são Bento prescreve leituras da Bíblia e dos esclarecimentos dos santos padres.
Os monges devem deixar a Palavra de Deus penetrar em seu coração. De acordo com são Bento, toda mística é bíblica. No entanto, para nós, a mais profunda experiência divina é quando deixamos a Palavra de Deus se encarnar em nós. Para essa finalidade, a noite é considerada o tempo mais adequado. Quando tudo ao nosso redor é silêncio, Deus pode alcançar o nosso ouvido o mais facilmente possível.
Laudes, o louvor matinal
As laudes são o louvor que os judeus praticavam no momento do nascer do sol. Os cristãos se lembram então do sol da Ressurreição, que para eles resplandece das profundezas do sepulcro.
Nas laudes, eles louvam o mistério da Ressurreição de Jesus Cristo, pela qual sua vida ficou clara e curada. É a hora da aurora, que os gregos denominavam Eos, um ser divino, e que eles chamavam de “a Bela”, “a Bem-amada”.
No louvor matinal da Igreja, ouve-se algo da devoção dos gregos pelo sol. Mas a beleza do sol nascente torna-se o símbolo da Ressurreição de Jesus, na qual toda a nossa escuridão foi vencida. Ao alvorecer, o coração humano se abre para louvar a Deus, pois não está preso nos sonhos noturnos ou nos sentimentos depressivos da noite. Sente antes aquilo que o salmista canta: “Se de tarde sobrevém o pranto, de manhã vem a alegria” (Sl 30[29],6b). Com o Salmo 92(91),Iss, rezamos: “É belo louvar o Senhor e cantar a teu nome, ó Altíssimo, anunciar de manhã o teu amor, e tua fidelidade durante a noite”.
Os hinos das laudes cantam o mistério do dia que desponta. Enquanto o reino da escuridão vai cedendo, o próprio Cristo nos acorda do sono: “Tu, Cristo, és a luz do dia, a clara fonte de todas as luzes; és Deus, que com teu poder o mundo morto à vida conduzes” (Hino da Sexta-Feira).
E os hinos nos lembram da manhã derradeira que esperamos, aquela em que para sempre o Cristo há de surgir como nossa luz. Que essa última manhã “nos encontre vigilantes, no louvor, e derrame sobre nós a sua luz”. (Hino da Quinta-feira).
Terça, uma pequena pausa
A terceira Hora (9 horas) significa o ponto mais alto da manhã. É o momento em que, no Pentecostes, o Espírito Santo foi derramado sobre os discípulos. Pedro menciona essa hora em sua pregação do Pentecostes: “Estes aqui não estão embriagados, como podeis pensar, pois estamos ainda em plena manhã” (At 2,15). Nessa hora, os monges pedem que o Espírito Santo dê fecundidade a seu trabalho. Eles sentem que toda atitude fica sem fruto, sem o vigor inspirador e fortalecedor do Espírito Santo.
A terça, portanto, respira algo do frescor da manhã e, ao mesmo tempo, algo da força vivificante do Espírito Santo. Então é exatamente assim que continuamos empenhados no trabalho. É uma breve parada para se tomar consciência de que tudo o que se faz precisa do Espírito de Deus para dar resultado.
O hino da terça pede a vinda do Espírito Santo. “Oh, Espírito, nossa proteção, juntamente com o Pai e o Filho, desce agora, com tua bondade, e enche o nosso coração”.
Que o Espírito Santo acenda novamente em nós o fogo do amor, a fim de que esse sentimento seja a marca de nosso trabalho.
Se trabalharmos haurindo da fonte do Espírito Santo, não nos esgotaremos, pois a origem do amor divino é inesgotável.
Sexta, a interrupção do meio-dia
A sexta (meio-dia) é a hora em que – segundo João – Pilatos pronunciou sobre Jesus a condenação à morte. Segundo Mateus e Lucas, foi na sexta hora que trevas caíram sobre todo o país (cf. Mt 27,45 e Lc 23,44). Pelo simbolismo original, a “sexta Hora” remete ao calor do dia e às tentações que sentimos pelo cansaço e pelo calor.
Os antigos falavam do “demônio do meio-dia”, que nos espreita exatamente por volta dessa hora.
Quando ficamos cansados, tornamo-nos sensíveis e suscetíveis às tentações de tal demônio. Segundo os monges antigos, trata-se do demônio da akedia (desânimo, moleza).
E akedia significa não ser capaz de estar presente no momento. Por volta do meio-dia, os propósitos de ser cuidadoso a cada momento já evaporaram. Aí a agitação já toma conta das pessoas.
Agitação é igual a calor febril. Assim o calor do dia se torna um símbolo da agitação a que as pessoas se entregam.
Ocorrem discussões irritadas com colaboradores e confrades. Deixamos as nossas emoções ferverem demais. Então precisamos nos refrigerar, orando, no meio do calor do sol, na sombra da cruz.
Fico contente quando, na “Hora” do meio-dia, consigo afinal me distanciar de tudo o que me invadiu durante o trabalho. É uma salutar interrupção que acaba com o fervor das emoções e deixa o hálito fresco do Espírito divino soprar em minha alma. O hino da sexta Hora expressa de modo concreto de que se trata, nesse breve momento, a oração no meio do dia: O calor do meio-dia incomoda, e é voando que as horas passam. O, Senhor de todo o tempo, Deus, deixa-nos agora descansar em ti. Ao respirarmos quentes e febris, palavras de discórdia nos escapam; perto de ti, ó poderoso Deus, em paciência e paz refrescaremos.
No calor do meio-dia, precisamos da refrigeração da oração, para que, no ardor do dia, nosso coração reencontre a paz, e fiquemos em harmonia com o mais íntimo de nosso ser.
Noa (Nona), a Hora da promessa
A nona Hora (15 horas) é a hora em que, segundo informação unânime de todos os quatro evangelistas, Jesus morreu na cruz por nós. O regulamento eclesiástico do Egito convida os cristãos a orar por volta da nona Hora: “Pois é nessa hora que o lado do Cristo foi ferido com a lança; sangue e água escorreram e depois o dia clareou, até a noite chegar” (Löhr 514). Está situada entre o dia e a noite, quando o trabalho está quase terminando, e tem uma qualidade peculiar. A luz da tardinha já é diferente.
Os cânticos dos antigos dizem que Cristo, por sua morte, transformou o poente em nascente. Foi na nona hora que Pedro e João subiram ao templo e curaram o paralítico na “Bela Porta”. Ele logo começou a pular (cf. At 3,1-10). Assim, essa hora contém a promessa de que os problemas que surgem durante o trabalho serão solucionados, os conflitos se resolverão, a nossa tensão passará e poderemos olhar com gratidão para a colheita de nosso trabalho.
O hino da nona se refere ao dia que vai findando, não somente no dia de hoje, mas também no último de nossa vida: “Até que o nosso dia acabe, deixa brilhar a tua luz em cima de nós; e uma santa morte, depois, nos abra a porta para a felicidade eterna”. Os salmos dessa Hora sabem bem que todo o nosso esforço seria em vão se não fosse sustentado pela bênção de Deus: “Se o Senhor não construir a casa, é inútil o cansaço dos pedreiros. Se não é o Senhor que guarda a cidade, em vão vigia a sentinela” (Sl 127[126],1).
Véspera, o hino da tardinha
A denominação “hora da tardinha” vem de vésper, “estrela da tarde”, que é o planeta Vênus. É a estrela dos namorados, que anuncia descanso e paz aos cansados. Vésperas e laudes são as horas de oração mais antigas. Em todos os povos, existe o costume de louvar a Deus de manhã cedinho e à noite. Quando o sol se põe, a Igreja comemora a morte de Jesus, que desceu em nossa escuridão para transformá-la; por isso, à noite, pedimos que Cristo continue a brilhar como o sol em nosso coração, enquanto o sol terrestre se põe.
A véspera é, em primeiro lugar, não um pedido e sim um louvor. No fim do dia, não olhamos novamente para nosso trabalho e sim para Deus, o verdadeiro centro de nossa vida. E olhamos para Cristo, a verdadeira luz que ilumina nosso coração e que, na sua Ressurreição, expulsou qualquer escuridão.
Antigamente, a véspera coincidia com o rito de acender a luz para a chegada da noite. Um hino vespertino a chama de “a Luz alegre”. É uma imagem de Cristo, a Luz verdadeira que veio a este mundo para nos iluminar: Ó, Luz alegre, Jesus Cristo, que és o esplendor glorioso do Pai imortal, santo, ditoso, celeste. A ti glorificam todas as criaturas. Vê, na hora do pôr-do-sol viemos saudar a luz aprazível da tarde, cantando hinos a Deus, o Pai, e cantando ao Filho e ao Espírito Santo.
Completas, a oração da noite
Além do louvor da tarde (a véspera), são Bento conhece ainda uma oração da noite, as completas. É para terminar o dia. O conceito vem de completum est (está consumado).
No completório, os monges pedem a proteção de Deus para que, durante a noite, envie seu anjo santo para que os proteja.
Desde sempre, os anjos foram os mensageiros dos sonhos. Daí que a oração da noite é também um pedido de bons sonhos, nos quais o anjo transmita uma mensagem de Deus, e para sermos preservados de pesadelos. E é um pedido para encontrarmos abrigo nos braços amorosos de Deus, sendo, assim, protegidos contra todos os perigos da escuridão. Antigamente, o escuro apavorava as pessoas; em última análise, era o medo dos abismos da própria alma. Que nesses abismos penetre a luz de Deus.
O salmo típico do completório é o 4. Nele, contemplamos a Deus, que nos insere no coração uma alegria muito maior do que “aqueles que têm muito trigo e vinho. “Em paz, logo que me deito, adormeço, pois só tu, Senhor, me fazes descansar com segurança” (Sl 4,8b-9). Outro salmo do completório, o 91(90), canta a proteção do Altíssimo, na qual durante a noite nós encontramos abrigo. Sabemo-nos protegidos pelos anjos de Deus. Carregam-nos em suas mãos, para que mal nenhum nos atinja. E olhamos para Deus, que, ao fim de mais uma jornada de trabalho, promete: “vou saciá-lo com longos dias e lhe mostrarei minha salvação” (Sl 91[90],16).
*Extraído do Livro “No Ritmo dos Monges” – Anselm Grün