DITOS DOS PADRES DO DESERTO
Aqueles a quem os Padres do Deserto servem de modelo, encontrarão ajuda no aprofundamento de sua experiência de Deus. Há muitas milhas solitárias que separam o início da corrida até a linha de chegada. Mas é na chegada que os anjos aguardam para nos animar. Também lá, os monges do deserto nos esperam. Nos escritos que deixaram para trás, encontramos a sabedoria que nos auxilia na estrada, aqui e agora. Esta sabedoria sobreviveu através dos séculos, esperando como um oásis no deserto para refrescar a todos aqueles que buscarão a espiritualidade, que tem seu preço. (Dan Nicholas, traduziu: Jandira)
Perguntaram ao Pai Ammonas: “Qual é o caminho estreito e apertado?” (Mt. 7,14). Ele respondeu: O caminho estreito e apertado é este, controlar seus pensamentos e despojar-se de sua própria vontade por amor de Deus. Também isto é o significado da sentença: “Senhor, eis que deixamos tudo e te seguimos.” (Mt 19, 27)
Diziam dele que havia como que uma depressão escavada em seu peito, pelas lágrimas que cairam de seus olhos durante toda sua vida, enquanto ele fazia seu trabalho manual. Quando Pai Poemen viu que ele estava morto, disse chorando: “verdadeiramente você é abençoado, Pai Arsenius, pois você chorou por si mesmo nesse mundo! Quem não chora por si mesmo aqui embaixo, chorará eternamente então; por isso é impossível não chorar, voluntariamente ou quando obrigado pelo sofrimento.” (i.e. o sofrimento derradeiro no inferno).
Também era dito dele (Pai Arsenius) que nas noites de sábado, preparando-se para a glória do domingo, ele virava-se de costas para o sol e elevava suas mãos em oração em direção ao céu, até que o sol novamente brilhasse em sua face. Então ele se sentava.
Dizia-se do Pai Ammoes que quando ele ia à igreja, não permitia que seu discípulo caminhasse ao seu lado mas a uma certa distância; e se esse último viesse lhe perguntar sobre seus pensamentos, ele se afastava dele logo após responder-lhe, “é por receio que, após tão edificantes palavras, sobrevenham conversas irrelevantes, que eu não permito que caminhes comigo.”
Foi dito de Pai Ammoes, que ele possuía cinqüenta medidas de trigo para seu uso e as colocara para fora, ao sol. Antes que elas estivessem devidamente secas, ele viu algo naquele lugar que lhe pareceu perigoso, então disse aos seus empregados, “vamo-nos embora desse lugar”. Porém, eles pareceram aflitos com isso. Vendo seu desalento ele lhes disse, ” é por causa dos pães que vocês estão tão tristes? Na verdade, tenho visto monges fugindo, deixando suas celas lavadas e também seus pergaminhos e eles nem fecharam as janelas, mas deixaram-nas abertas.
Pai Abraão disse de um homem de Scete que era um escriba e não comia pão. Um irmão veio a ele para copiar um livro. O velho homem cujo espírito estava absorto em contemplação, escreveu, porém omitindo algumas frases e sem pontuação. O irmão, tomando o livro e desejando pontuá-lo, notou que faltavam palavras. Então disse ao ancião, “Pai, faltam algumas palavras.” O ancião disse a ele, “Vá e pratique primeiro o que está escrito, depois volte e eu escreverei o restante.”
Havia nas celas um velho homem chamado Apollo. Se aparecia alguém chamando-o para ajudar em alguma tarefa, ele ia alegremente, dizendo, “Vou trabalhar com Cristo hoje, pela salvação de minha alma, pois esta é a recompensa que Ele dá.”
Pai Doulas, discípulo de Pai Bessarion disse, “Um dia, quando estávamos caminhando ao longo da praia, eu estava sedento e disse ao Pai Bessarion, “Pai, estou com sede.” Ele rezou e disse-me, “Beba um pouco da água do mar.” A água estava doce e eu bebi. Cheguei a pegar um pouco numa garrafa de couro, pois tive medo de ficar sedento mais tarde. Vendo isto, o velho homem perguntou-me porque eu estava levando água. Eu disse a ele, “perdoe-me, é por medo de ficar com sede mais tarde.” E o ancião disse: “Deus está aqui, Deus está em todo lugar.”
Um irmão perguntou ao Pai Poemen desta maneira: “meus pensamentos me atormentam, fazendo com que eu deixe de lado meus pecados e me preocupe com as faltas de meus irmãos.” O ancião contou-lhe a seguinte estória sobre Pai Dioscurus (o monge): “na sua cela ele chorava por si mesmo, enquanto seu discípulo se sentava eu outra cela. Quando este último veio ver o ancião perguntou-lhe, “pai, por que choras?” “Estou chorando pelos meus pecados, respondeu-lhe o velho homem. Ao que o discípulo disse, “você não tem nenhum pecado, Pai.” O ancião replicou, “É verdade, meu filho, se eu pudesse ver meus pecados, três ou quatro homens não seriam suficientes para chorar por eles.”
Isto é o que disse Pai Daniel, o Faranita: “Nosso Pai Arsenius nos contou sobre um habitante de Scetis, de vida digna e fé simples; pela sua ingenuidade, ele foi enganado e disse, “O pão que recebemos não é verdadeiramente o Corpo de Cristo, mas um símbolo. Dois anciãos souberam que ele dissera aquilo, conhecendo seu modo de vida correto acreditaram que ele não falara por malícia, mas por simplicidade. Então, vieram a ele e disseram: “Pai, ouvimos da parte de alguém uma proposição contrária à fé, que disse que o pão que recebemos não é verdadeiramente o corpo de Cristo, mas um símbolo. O ancião disse, “fui eu quem disse isso.” Então os outros dois o exortaram dizendo, “não mantenha essa crença, Pai, mas aquela em conformidade com o que a igreja Católica nos deu. Acreditamos, de nossa parte, que o pão por si mesmo é o Corpo de Cristo, como no início, Deus formou o homem à sua imagem, tomando do pó da terra, sem que ninguém possa dizer que ele não é a imagem de Deus, mesmo que não pareça. Do mesmo modo, com o pão do qual ele disse, “este é meu corpo”, assim nós cremos que é verdadeiramente o Corpo de Cristo. O ancião disse-lhes, “Enquanto eu não for convencido pela coisa em si, não estarei completamente convicto.” Então eles disseram, “Vamos rezar a Deus sobre este mistério por toda a semana e acreditamos que Deus vai nos revelar isto.” O ancião ouviu isso com alegria e rezou nessas palavras, “Senhor, vós sabeis que não é por malícia que eu não creio, e, de maneira que eu não erre por ignorância, revele isto a mim, Senhor Jesus Cristo.” Os dois homens voltaram a suas celas e rezaram também a Deus, dizendo, “Senhor Jesus Cristo, revele esse mistério a esse homem de modo que ele creia e não perca sua recompensa.” Deus ouviu suas preces. Ao final da semana eles vieram à igreja no domingo e se sentaram todos os três no mesmo tapete, o ancião no meio. Em seguida seus olhos se abriram e quando o pão foi colocado na mesa sagrada, aparecia-lhes uma criança pequena, sozinha. E quando o sacerdote estendeu a mão para partir o pão, viram um anjo descer do céu com uma espada e servir o sangue da criança no cálice. Quando o padre partiu o pão em pedacinhos, o anjo também cortou a criança em pedaços. Quando se aproximaram para receber os sagrados elementos o ancião sozinho recebeu um pedaço da carne sangrenta. Vendo isto, ficou com medo e gritou, “Senhor, eu creio que isto é vosso corpo e este cálice vosso sangue.” Imediatamente a carne que ele segurava em suas mãos se tornou pão, de acordo com o mistério e ele o tomou dando graças a Deus. Em seguida os dois homens lhe disseram, “Deus conhece a natureza humana e sabe que o homem não pode comer carne crua e é por isso que ele mudou seu corpo em pão e seu sangue em vinho, para aqueles que o recebem na fé. “Em seguida, deram graças a Deus pelo ancião, porque Ele não permitiu que o mesmo perdesse a recompensa pelo seu trabalho. Então, todos três retornaram com alegria para suas celas.”
Dizia-se que Pai Helladius passou vinte anos em sua cela, sem sequer elevar os olhos para ver o telhado da Igreja.
Pai Epifânio acrescentou: “Um homem que recebe algo de outro por causa de sua pobreza ou sua necessidade tem aí sua recompensa e porque ele se envergonha, quando ele paga, ele o faz em segredo. Mas o oposto faz Deus; Ele recebe em segredo, mas paga na presença dos anjos, dos arcanjos e dos justos.”
Era dito do Pai Agathon que alguns monges vieram procurá-lo, tendo ouvido falar de seu grande discernimento. Desejando ver se ele perdia a paciência disseram-lhe, “você não é aquele do qual dizem ser um grande fornicador e um homem orgulhoso?” “Sim, é verdade”, ele respondeu. Eles continuaram, “você não é aquele Agathon que está sempre dizendo bobagens?”, “Sou eu”. Novamente, ele disseram, “Você não é Agathon, o herético?” Ao que ele replicou, “Eu não sou um herético.” Então eles perguntaram-lhe, “diga-nos, porque você aceitou tudo que atiramos sobre você, mas repudiou este último insulto.” Ele replicou. “As primeiras acusações tomei para mim, pois é bom para minha alma. Mas heresia é separação de Deus. Vejam, eu nada tenho para ser separado de Deus.” A este dito, eles ficaram surpresos pelo seu discernimento e retornaram, edificados.
Pai Evágrio disse, “Retirem-se as tentações e ninguém será salvo.”
Um irmão egípcio veio ao Pai Zeno, na Síria, e se acusou diante do ancião sobre suas tentações. Cheio de admiração Zeno disse, “Os egípcios escondem as virtudes que possuem e acusam-se sem cessar de faltas que eles não tem, enquanto que os sírios e gregos fingem ter virtudes que não possuem e escondem as faltas das quais são culpados.”
Numa vila, dizia-se que havia um homem que jejuava tanto que era chamado de “o jejuador”. Pai Zeno ouviu falar dele e mandou chamá-lo. Ele veio alegremente. Rezaram e se sentaram. O ancião começou a trabalhar em silêncio. Não conseguindo falar com Pai Zeno, o jejuador começou a se aborrecer. Então ele disse a Pai Zeno, “reze por mim, Pai, porque desejo ir.” O ancião perguntou, “por que?” O outro retrucou, “porque meu coração está como se estivesse em fogo e eu não sei o que pode ser isso. Pois em verdade, quando eu estava na vila e jejuava até a noite, nada disso me acontecia.” O velho homem lhe disse, “na vila você alimentava-se através de seus ouvidos. Mas vá embora e de agora em diante coma pela nona hora e o que quer que faças, faça-o em segredo.” Tão logo ele começou a seguir o conselho, o jejuador achou difícil esperar até a nona hora. E aqueles que o conheceram diziam, “o jejuador está possuído pelo diabo.” Então ele foi contar isso ao ancião que disse a ele, “este caminho está de acordo com Deus”.
Um dia Pai Moses disse ao irmão Zacharias, “diga-me o que devo fazer?” A estas palavras o último jogou-se no chão aos pés do ancião e disse: “você está me perguntando, Pai?” O velho homem disse a ele “Creia-me, Zacharias, meu filho, eu vi o Espírito Santo descer sobre você e desde então sinto-me inclinado a lhe perguntar.” Então Zacharias arrancou o gorro de sua cabeça, jogou-o ao chão e pisoteou-o, dizendo, “O homem que não se deixa tratar assim não pode se tornar um monge.”
Pai Zeno disse, “se um homem deseja ser ouvido por Deus rapidamente, antes de rezar por qualquer coisa, mesmo por sua própria alma, quando se elevar e estender suas mãos em direção a Deus, deve rezar de todo coração por seus inimigos. Através dessa ação Deus atenderá qualquer coisa que ele pedir.”
Pai Gerontius de Petra disse que muitos, tentados pelos prazeres do corpo, cometiam fornicação, não em seus corpos mas em seus espíritos e enquanto preservavam a virgindade do corpo, cometiam a prostituição em suas almas. “então, é bom, meus bem-amados, fazer o que está escrito e cada um guardar seu próprio coração com todo cuidado possível.” (Prov. 4,23)
Um dia Pai Arsenius consultou um velho monge egípcio sobre seus próprios pensamentos. Alguém notou e disse a ele, “Abba Arsenius, como é que o senhor com uma educação tão aprimorada em Grego e Latin, pergunta a um camponês sobre seus pensamentos?” Ele replicou, “Realmente aprendi Grego e Latin, mas não sei nem ao menos o alfabeto desse camponês.”
Pai Elias, o ministro, disse, “O que pode o pecado onde há penitência? E de que adianta o amor onde há orgulho?”
Pai Isaias disse a aqueles que começavam bem, colocando-se sob a direção dos santos Padres, “como a coloração roxa, a primeira tintura nunca se perde.” E “do mesmo modo que galhos jovens são facilmente envergados para trás e curvados, também é com os iniciantes que vivem em submissão.”
Pai Isaias também contou que houve uma ceia e os irmãos estavam comendo na igreja e falando uns com os outros, o padre de Pelusia os repreendeu com estas palavras, “Irmãos, aquietem-se. Pois vi um irmão comendo com vocês e bebendo tanto quanto vocês e sua oração subia até a presença de Deus como fogo.”
Pai Isaias também disse, “quando Deus deseja apiedar-se de uma alma e ela se rebela, não suportando nada e fazendo sua própria vontade, Ele então permite que ela sofra o que não quer, de modo que volte a procurá-Lo novamente.”
Pai Theodore disse: “se você é amigo de alguém que cai na tentação da fornicação, ofereça-lhe sua mão, se puder e tire-o disso. Mas se ele cair na heresia e você não puder persuadi-lo de sair dela, saia de sua companhia rapidamente, para evitar que no caso de você demorar, você também seja jogado nesse poço.
Um irmão veio procurar Pai Theodore e começou a conversar com ele sobre coisas que nunca tinha posto em prática. Então o ancião lhe disse, “você ainda não encontrou um navio nem colocou sua carga a bordo e antes mesmo de ter navegado, já regressou à cidade. Faça seu trabalho primeiro, depois atinja a velocidade que você está fazendo agora.”
Pai Theodore de Pherme disse: “o homem que permanece de pé quando se arrepende, não guardou o mandamento.”
Um irmão disse a Pai Theodore, “desejo cumprir os mandamentos.” O velho homem contou-lhe o que Pai Theonas lhe tinha dito: “eu quero encher meu espírito de Deus.” Pegando farinha da padaria fez pães que deu aos pobres que lhe pediram; outros lhe pediram mais e ele lhes deu as cestas, em seguida o manto que usava e então, retornou à sua cela com seu dorso cingido por uma capa. Depois ele voltou ao trabalho dizendo a si mesmo, que ainda não tinha cumprido o mandamento de Deus.”
O verdadeiro Pai Theophilo, o arcebispo, veio um dia a Scete. Os irmãos que estavam reunidos disseram a Pai Pambo, “fale algo ao arcebispo, de modo que ele fique edificado.” O ancião disse a eles, “se ele não estiver edificado pelo meu silêncio, não ficará edificado pela minha fala.”
Foi dito de Pai Thedore, que ele foi feito diácono de Scete e recusou exercer o cargo, tendo fugido para muitos lugares por isso. A cada vez, os anciãos o traziam de volta, dizendo, “não deixe seu diaconato.” Pai Theodore disse-lhes, “deixem-me rezar a Deus de modo que Ele me diga, com certeza, se eu devo tomar parte na liturgia.” Então rezou a Deus desse modo, “se é Tua vontade que eu aceite essa posição, dá-me a certeza disso.” Então lhe apareceu uma coluna de fogo, que ia da terra ao céu e uma voz lhe disse, “se você puder se tornar como essa coluna, então seja um diácono.” Ao ouvir isso ele decidiu nunca aceitar o encargo. Quando voltou à igreja os irmãos se inclinaram diante dele, dizendo, “se você não quer ser um diácono, pelo menos segure o cálice.” Mas ele recusou, dizendo, “se vocês não me deixarem sozinho, deixarei este lugar.” Então o deixaram em paz.
Pai Theodore de Scetis disse, “um pensamento me perturba não me deixa livre; embora não seja capaz de levar-me a agir, ele simplesmente me impede de progredir na virtude; mas um homem vigilante o lançaria fora e se levantaria para rezar.”
Pai Theodore dizia, “a privação de alimento mortifica o corpo do monge.” Pai Anotherold disse, “as vigílias mortificam ainda mais.”
Mãe Teodora disse, “vamos nos esforçar para entrar pela porta estreita. Como as árvores que não enfrentaram as tempestades de inverno e não produzem fruto, assim é conosco; esta vida presente é uma tempestade e é através de muitas tribulações e tentações, que podemos obter a herança no reino dos céus.”
A mesma Mãe disse que um mestre deveria ser um estranho ao desejo dominação, vanglória e orgulho; ninguém deveria se capaz de enganá-lo pela adulação, nem cegá-lo com presentes, nem conquistá-lo pelo estômago, nem dominá-lo pelo ódio; mas ele deveria ser paciente, gentil e humilde tanto quanto possível; ele deveria ser testado e sem partidarismo, imbuído de responsabilidade e amor pelas almas.
Ela também disse que nenhuma forma de ascetismo, nem vigílias, nem qualquer tipo de sofrimento são capazes de salvar, mas apenas a verdadeira humildade o pode fazer. Havia um anacoreta que tinha o poder de expulsar demônios; e ele lhes perguntou, “o que os faz irem embora?” “é o jejum?” Eles replicaram, “não comemos nem bebemos.” “São as vigílias?” Eles responderam, “nunca dormimos.” “É a separação do mundo?” “Vivemos nos desertos.” “Qual poder os expulsa então?” Eles disseram, “Nada nos pode vencer, além da humildade.” “Vocês vêem como a humildade é vitoriosa sobre os demônios?”
Foi dito de Pai John, o Anão que ele se retirou para viver no deserto de Scete com um ancião de Tebas. Seu Pai, pegando um pedaço seco de madeira plantou-o e disse a ele, “molhe-o todos os dias com uma garrafa de água, até que dê fruto.” A água ficava muito distante e ele tinha que sair à noite e retornar pela manhã seguinte. Ao final de três anos a madeira reviveu e deu fruto. Então o ancião pegou alguns frutos e levou-os à igreja, dizendo aos irmãos, “peguem e comam o fruto da obediência.”
Dizia-se de Pai John, o Anão, que um dia ele disse ao seu irmão mais velho, “gostaria de ser livre de todos os cuidados, como os anjos, que não trabalham, mas prestam culto a Deus incessantemente.” Então, ele retirou seu manto e foi para o deserto. Depois de uma semana ele voltou ao seu irmão. Quando bateu à porta ouviu seu irmão dizer, antes de abrir, “quem é você?” Ele disse, “sou John, seu irmão.” Ao que o outro retrucou, “John se tornou um anjo e dessa maneira não mais se encontra entre os homens.” O outro pediu para entrar, dizendo, “Sou eu.” Contudo, seu irmão não o deixou entrar, mas o deixou lá fora, aflito, até de manhã. Então, abrindo a porta, disse-lhe, “você é um homem e deve novamente trabalhar para poder comer.” Então John se prostrou diante dele, dizendo, “perdoe-me.”
Um dia, quando ele estava sentado em frente à igreja, os irmãos foram consultá-lo sobre seus pensamentos. Um dos anciãos viu e tornando-se presa do ciúme disse a ele, “John, seu vaso está cheio de veneno.” Pai John respondeu-lhe, “Isto é bem verdade, Pai; e você disse isso vendo apenas o lado de fora, mas se fosse capaz de ver o interior também, o que diria, então?”
Alguns irmãos vieram um dia para testá-lo, para ver se ele deixaria seus pensamentos se dissiparem e falasse das coisas desse mundo. Disseram-lhe então, “damos graças a Deus, pois este ano tem chovido muito e as palmeiras puderam beber e suas folhas cresceram e os irmãos encontraram trabalho manual.” Pai John disse-lhes, “Então, é quando o Espírito Santo desce aos corações dos homens, eles se renovam e produzem folhas por temor a Deus.”
Era dito de Pai John, o Anão, que um dia ele estava tecendo corda para duas cestas, mas sem perceber, ele fez apenas uma, até que chegasse ao teto, pois seu espírito estava absorto em contemplação.
Pai John disse, “sou como um homem sentado debaixo de uma grande árvore, que vê bestas selvagens e serpentes, vindo contra ele em grande número. Quando não pode mais, ele corre e sobe na árvore e se salva. É a mesma coisa comigo; sento-me em minha cela e estou consciente de pensamentos maus vindo contra mim e quando não tenho mais forças contra eles, busco refúgio em Deus pela oração e sou salvo do inimigo.”
Pai Poemen disse de Pai John, o Anão, que ele tinha rezado a Deus para que retirasse para longe dele as paixões, de modo que ele ficasse livre de preocupações. Então ele foi contar ao ancião isto; “encontro-me em paz, sem nenhum inimigo”. O ancião lhe disse, “vá, implore a Deus que lhe envie as lutas de modo que você recupere a aflição e humildade que você possuía, pois é pela luta que as almas progridem.” Então, ele implorou a Deus e quando as batalhas vieram ele não mais rezou que elas fossem afastadas, mas disse, “Senhor, dai-me força para a luta.”
Pai John disse, “pusemos a carga leve de um lado, que é a auto-acusação, e nos carregamos com um grande peso que é a auto-justificação.”
Ele também disse, “humildade e temor de Deus estão acima de todas as virtudes.”
Pai John deu este conselho, “vigiar significa sentar-se na cela e estar sempre presente a Deus. Isto é o que significa o dizer, “eu vigiava e Deus veio até mim.”
Um dos Padres disse dele, “quem é esse John, que pela sua humildade tem toda cidade de Scete pendurada no seu dedo mínimo?”
Pai John, o Anão, disse, “havia um homem muito espiritual que vivia uma vida reclusa. Ele era muito considerado na cidade e gozava de grande reputação. Disseram-lhe que um ancião, à beira da morte o chamava para abraçá-lo antes de adormecer. Ele pensou consigo, se eu for com a luz do dia, homens acorrerão atrás de mim, dando-me grande honra e não ficarei em paz com tudo isso. Então, irei à noite, na escuridão e passarei despercebido. Mas vejam só, dois anjos foram enviados por Deus com luzeiros para dar-lhe luz. Então a cidade inteira veio para fora para ver sua glória. Quanto mais ele desejava correr da glória, mais glorificado ele era. Nisso se cumpriu o que está escrito: “aquele que se humilha será exaltado.” (Lc 14,11)
Pai John, o Anão, disse, “uma casa não é construída do topo para baixo. Deve-se começar com a fundação para alcançar o topo. Eles lhe disseram, “o que isso significa?” Ele respondeu, “a fundação é nosso próximo, a quem devemos ganhar, e este é o lugar para começar. Pois todos os mandamentos de Cristo dependem desse um.”
Pai Poemen disse que Pai John teria dito que os santos são como um grupo de árvores, cada uma produzindo um fruto diferente, mas irrigadas com a mesma fonte. As práticas de um santo diferem das do outro, mas é o mesmo Espírito que trabalha em todos eles.
Pai John disse ao seu irmão, “mesmo que sejamos completamente desprezados aos olhos dos homens, alegremo-nos, pois somos honrados aos olhos de Deus.”
O ancião, (Pai John, o Anão), disse, “vocês sabem que o primeiro sopro do demônio sobre Jó, foi através de suas possessões; e aquele viu que não o pôde afligir nem o separar de Deus. Com o segundo sopro, ele tocou sua carne, mas também nisso, o bravo atleta não pecou por palavra alguma que viesse de sua boca. De fato, ele tinha dentro do seu coração aquilo que é de Deus e recorria àquela fonte incessantemente.”
Um ancião veio à cela de Pai John e encontrou-o adormecido com um anjo por detrás dele, abanando-o. Vendo isto ele se retirou. Quando Pai John se levantou, ele disse ao seu discípulo, “veio alguém enquanto eu estava dormindo?” Ele retrucou, “sim, um ancião.” Então, Pai John soube que esse ancião era seu igual e que ele tinha visto o anjo.
Pai Isidore disse, “quando eu era mais jovem e permanecia em minha cela eu não punha limites à oração; a noite era para mim tempo de oração tanto quanto o dia.”
Pai Isidore foi um dia ver Pai Theophilus, arcebispo de Alexandria e quando retornou a Scetis, os irmãos perguntaram a ele, “o que há de novo na cidade?” Mas ele lhes disse, “verdadeiramente irmãos, não vi a face de ninguém, exceto a do arcebispo.” Ouvindo isso ficaram muito ansiosos e disseram, “houve algum desastre lá então, Pai?” Ele disse, “Não, de modo algum, mas o pensamento de olhar para quem quer que fosse não me atraiu.” A essas palavras eles se encheram de admiração e se fortaleceram em sua intenção de guardarem seus olhos de toda distração.”
Pai Isidore de Pelusia disse, “prezem as virtudes e não sejam escravos da glória; pois as primeiras são imortais enquanto que as últimas logo se desvanecem.”
Ele também disse, “as alturas da humildade são grandes e também as profundezas da vanglória; aconselho-os a atenderem à primeira e não caírem na segunda.”
Pai Lot foi ver Pai Joseph e lhe disse, “Pai, tanto quanto posso, rezo um pouco meu Ofício, jejuo um pouco, rezo, medito, vivo em paz e tanto quanto posso, purifico meus pensamentos. Que mais posso fazer?'” O ancião levantou-se, estendeu suas mãos em direção ao céu. Seus dedos eram como dez lâmpadas de fogo e então disse-lhe, “por que não tornar-se o próprio fogo, então?
Pai James disse, “tal como uma lâmpada ilumina um quarto escuro, o temor de Deus quando penetra o coração de um homem, o ilumina, ensinando-lhe todas as virtudes e mandamentos de Deus”.
E acrescentou: “não precisamos apenas de palavras, pois no momento presente existem muitas palavras entre os homens, mas precisamos de atos, pois isto é o necessário e não apenas palavras que não produzem fruto.”
Pai John das Celas nos contou esta estória: “havia no Egito uma bela cortesã, muito rica , a quem muitos nobres e poderosos acorriam. Um dia, estando ela perto de uma igreja desejou entrar. O subdiácono, que estava às portas não o permitiu, dizendo, “você não é digna de entrar na casa de Deus, pois está impura.” O bispo, ouvindo o barulho de sua discussão veio para fora. Então a cortesã lhe disse, “ele não me deixa entrar na igreja.” E o bispo também disse a ela, “você não pode entrar pois você não está pura.” Ela ficou tomada de arrependimento e disse a ele, “então, não mais cometerei fornicação.” O bispo respondeu-lhe, “se você trouxer suas riquezas aqui, acreditarei que você não mais cometerá fornicação.” Ela trouxe toda sua fortuna e o bispo ateando fogo, queimou-a completamente. Então ela entrou na igreja, chorando e dizendo, “se isto aconteceu comigo aqui embaixo, o que sofreria depois, lá em cima?” Então se converteu e se tornou um vaso de eleição.
Pai Isidore, o sacerdote, disse “se você jejua regularmente, não se encha de orgulho, mas se você se vangloria por causa disso, então é melhor que coma carne. É melhor para um homem comer carne do que se inflar com orgulho e gloriar-se de si mesmo.
Conta-se de Pai John, o persa, que quando alguns malfeitores vieram a ele, ele pegou uma bacia e desejou lavar-lhes os pés. Mas eles se encheram de confusão e começaram a fazer penitência.
Da Palestina, Pai Hilarion foi à montanha onde estava Pai Anthony. Pai Antony disse-lhe, “você é bem-vindo, tocha que acorda o dia.” Pai Hilarion retrucou, “paz a você, pilar da luz, dando luz ao mundo.”
Os santos Padres estavam fazendo previsões sobre as últimas gerações. Eles disseram. “O que fizemos?” Um deles, o grande Pai Ischyrion, replicou, “nós cumprimos os mandamentos de Deus.” Os outros replicaram, “e aqueles que vierem depois de nós, o que farão?” Ele disse, “eles lutarão para conseguir a metade do que conseguimos.” Então disseram, “e aqueles que virão após estes, o que lhes sucederá?” Ele disse, “OS HOMENS DESSA GERAÇÃO NÃO REALIZARÃO NENHUMA OBRA E A TENTAÇÃO CAIRÁ SOBRE ELES; E AQUELES QUE FOREM ACHADOS DIGNOS, NAQUELE DIA, SERÃO MAIORES ATÉ MESMO DO QUE NÓS E NOSSOS PAIS.”
Pai Copres disse, “abençoado aquele que sofre aflições com ação de graças.”
Um dia, os habitantes de Scete reuniram-se para discutir Melquisedeck e se esqueceram de convidar Pai Copres. Mais tarde o chamaram e perguntaram-lhe sobre aquele assunto. Batendo em sua boca trêz vezes, ele disse, “infelizmente, para você, Copres! Pois aquilo que Deus manda, você faz, você foi posto de lado e você deseja aprender algo que não lhe foi requerido saber.” Quando ouviram estas palavras, os irmãos fugiram para suas celas.
Perguntaram a Pai Cyrus da Alexandria, sobre a tentação da fornicação e ele replicou, “se vocês não pensarem sobre isso, vocês não têm esperança, pois se vocês não estiverem pensando nisso, estão fazendo isso. Quer dizer, aquele que não luta contra o pecado e resiste a ele em seu espírito vai pecar fisicamente. É bem verdade que aquele que está fornicando não está preocupado pensando nisso.
Alguns dos monges que são chamados Euchites, foram a Enaton para ver Pai Lucius. O ancião perguntou-lhes, “qual é o seu trabalho manual?” Replicaram, “não fazemos trabalho manual, pois como o Apóstolo diz, “rezamos incessantemente”. O ancião perguntou-lhes se eles comiam e eles responderam que sim. Então ele lhes disse, “quando vocês estão comendo, quem reza então no seu lugar?” Então perguntou-lhes se eles não dormiam e responderam-lhe que sim. E ele lhes falou, “quando vocês dormem quem reza no seu lugar?” Eles não conseguiram encontrar nenhuma resposta para dar-lhe. Ele lhes disse, “perdoem-me mas vocês não agem como falam. Vou lhes mostrar como, enquanto faço meu trabalho manual rezo sem interrupção. Sento-me com Deus, pondo meu junco de molho e trançando minhas cordas e digo, “Deus, tenha compaixão de mim, de acordo com vossa grande bondade e de acordo com vossa infinita misericórdia, livra-me de meus pecados.” Então lhes perguntou se isto não era oração e disseram que sim. Então lhes falou, “Então, quando devo passar o dia todo trabalhando e rezando, ganhando treze moedas de dinheiro, mais ou menos, coloco duas moedas fora da porta e pago minha comida com o resto do dinheiro. Aquele que pega as duas moedas reza para mim quando estou comendo e quando estou dormindo; então, pela graça de Deus, eu cumpro o preceito de orar sem cessar.”
Contaram que Pai Macarius, o grande, como está escrito, tornou-se um deus sobre a face da terra, pois, assim como Deus protege o mundo, assim também Pai Macarius cobria as faltas que ele via, como se não as visse; e aquelas que ouvia, como se não as ouvisse.
O anjo quando deu as regras do monasticismo a São Pacômio, disse-lhe: “… Ele declarou que no curso do dia, eles devem fazer doze orações , e ao acender as lâmpadas, doze, e nas vigílias noturnas, doze, e pela nona hora, três. Quando forem comer, ele decretou que um salmo seja cantado antes de cada prece.” E Pacômio objetou ao anjo que as orações eram muito poucas…
O mesmo Pai Macarius, quando no Egito, descobriu um homem que possuía uma besta de carga ocupada em saquear as provisões de Macarius. Então ele foi ao ladrão como se fosse um estrangeiro e o ajudou a carregar o animal. Despediu-o com grande paz na alma, dizendo, “não trouxemos nada para este mundo, e não podemos levar nada para fora dele.” (1Tim, 6,7). “O Senhor deu e o Senhor tirou; louvado seja o nome do Senhor.” (Job, 1,21)
Perguntaram a Pai Macarius, “como devemos rezar?” O ancião disse “não é necessário fazer grandes discursos; é suficiente erguer as mãos e dizer, “Senhor, como desejas e como conheces, tenha piedade.” E se o conflito crescer, digam, “Senhor, ajuda!” Ele sabe muito bem o que precisamos e Ele nos mostra sua misericórdia.”
Um irmão foi ao Pai Matoes e lhe disse, “como se explica que os monges de Scete fazem mais do que as Escrituras pedem, amando seus inimigos mais do que a si mesmos?” Pai Matoes respondeu-lhes, “Eu por mim, ainda não consegui amar aqueles que me amam, como eu me amo a mim mesmo.”
Dizia-se de Pai Silvanus que em Scetis ele tinha um discípulo chamado Mark, cuja obediência era grande. Ele era um escriba. O ancião o amava por causa de sua obediência. Ele tinha outros onze discípulos que ficaram magoados porque ele o amava mais que a eles. Quando ficaram sabendo disso, os mais velhos ficaram sentidos e um dia vieram reprovar-lhe sobre isso. Tomando-os consigo, ele foi bater em cada cela, dizendo, “irmão fulano, venha aqui; preciso de você”, mas nenhum deles veio imediatamente. Chegando à cela de Mark, ele bateu e disse, “Mark.” Ouvindo a voz do ancião, ele pulou imediatamente e o ancião o mandou ir servir e então disse, “Pai, onde estão os outros irmãos?” Então eles foram à cela de Mark e pegaram seu livro e notaram que ele tinha começado a escrever a letra “omega” (“w”) mas quando ele ouviu o ancião, ele não terminou de escrever. Então os anciãos disseram, “verdadeiramente, Pai, aquele que você ama, nós amamos também e Deus também o ama.”
Pai Poemen disse de Pai Nesterius que ele era como a serpente de bronze que Moisés fez para curar o povo; ele possuía toda virtude e sem falar, curava a todos.
Pai Xanthias disse, “o ladrão estava na cruz e ele foi justificado por uma simples palavra; e Judas que era contado no número dos apóstolos perdeu todo seu labor em apenas uma noite e desceu do céu para o inferno. Então, que ninguém se gabe por seus atos bons, pois todos aqueles que confiam em si mesmos, caem.”
Pai Poemen disse, “o início do mal é não ouvir.”
Syncletica, Mãe do Deserto, disse: “No começo, há luta e muito trabalho para os que se aproximam de Deus. Mas, depois disso, há uma indescritível alegria. É como acender uma fogueira: no início há muita fumaça e seus olhos lacrimejam, mas depois você consegue o resultado desejado. Assim devemos acender o fogo divino em nós mesmos, com lágrimas e esforço.”
Da mesma Mãe: “Há muitos que vivem nas montanhas e se comportam como se estivessem na cidade; e eles estão perdendo seu tempo. É possível ser solitário em sua própria mente, mesmo no meio de uma multidão e é possível para um solitário viver na multidão de seus próprios pensamentos.”