A abundância e a falta de vocações são, geralmente, causas que sublinham a importância do discernimento. A falta de vocações convida, muitas vezes, a correr o risco de “aceitar” qualquer tipo de candidatos; a abundância leva não os passar pela peneira da colheita.
Nosso objetivo é consultar o ensino de São Bento na sua Regra: um ensinamento que vai desde o antes da entrada, até à profissão monástica.
São Bento tinha certamente o carisma do discernimento dos espíritos, mas quando se trata de vocações, é muito prático: baseia-se no que se vê e pode ser observado. Eis quatro critérios particulares e gerais oferecidos pela Regra.
- A paciência perseverante
O primeiro critério da Regra está no começo do cap. 58, e diz assim:
“Apresentando-se alguém para a vida monástica, não se lhe conceda fácil ingresso, mas como diz o Apóstolo: ”provai os espíritos, se são de Deus”. Portanto se aquele que vem, perseverar batendo à porta e se depois de quatro ou cinco dias, sendo-lhe feitas injúrias e dificuldade para entrar, parece suportar pacientemente e persistir no seu pedido, conceda-se-lhe o ingresso, e permaneça alguns dias com os hóspedes” (RB 58,1-4).
Trata-se de um discernimento preliminar para examinar se o candidato está tocado pelo Espírito de Deus, no que diz respeito à sua vinda ao mosteiro.
Bento indica dois pontos fáceis de verificar: a perseverança e a paciência. O fator tempo ajudará a verificar estas duas realidades. Se, por um período de alguns dias, o candidato perseverar no seu pedido, e tiver paciência diante da demora que lhe impõem, pode-se dizer que é o Espírito de Deus que o traz ao mosteiro. O que não significa, evidentemente, que deva abraçar obrigatoriamente a vida monástica. A paciência é a primeira virtude que o candidato deve praticar. A paciência – consigo mesmo e com os outros – é um fator prioritário de perseverança na vida monástica. Sem paciência não há comunhão com os sofrimentos pascais de Cristo, nem comunhão profunda e misericordiosa com as deficiências dos irmãos da comunidade (RB Prol 50;72,5).
Comentário pastoral: Muitas vezes condicionados pela falta de vocações, alguns ou algumas se precipitam para admitir candidatos, deixando de lado este critério que todas as regras mencionam, assim como a tradição monástica em geral. Pela mesma razão também, se omite dizer, de antemão, ao candidato as coisas duras e ásperas pelas quais se vai a Deus (58,8).
- A verdadeira procura de Deus
O segundo critério beneditino diz assim: “Que haja solicitude em ver se procura verdadeiramente a Deus, se é solícito para com o Ofício Divino, a obediência e os opróbrios” (58,7).
A procura de Deus, neste contexto, não é a procura de um Deus escondido, mas de um Deus de quem nos afastamos e para o qual decidimos voltar, um Deus que precede a nossa procura, procurando-nos por primeiro (Prol 2,14; 58,8). Note-se que Bento recomenda “observar”. Por outras palavras, os critérios de discernimento que propõe, necessitam de uma observação atenta. O texto sugere quem são os que “observam”, é o conjunto da comunidade. O que precede supõe que o ancião (sênior) capaz de ganhar almas (o mestre de noviços) seja particularmente responsável por esta observação… O cuidado que caracteriza esta observação é que seja solícita, observação atenta. Esta atenção particular refere-se à intensidade e à duração. O que a sutilidade e a perspicácia não fazem, faz-se facilmente com o tempo. O tempo revela o coração. O objeto da observação não é a intenção (invisível) do candidato à vida monástica, mas o seu comportamento (visível), e isto numa tríplice perspectiva: o dom de si à vida de oração, a aceitação da vontade dos outros e tudo o que coloca o orgulho do candidato debaixo de seus pés. Note-se que não se trata de se dedicar à oração, à obediência e à humildade, mas de se dar a isso numa aceitação dada, fervorosa e cheia de bom zelo.
– A obra de Deus
No que diz respeito à Obra de Deus, a oração tem o primeiro lugar. Bento é coerente com o que diz no começo da Regra: “Antes de tudo, quando encetares algo de bom, pede-lhe com oração muito insistente que seja por ele realizado” (Prol. 4).
E, querendo ser ainda mais claro, afirmará, para que não haja dúvidas: “Nada preferir à obra de Deus” (43,3). Note-se que Opus Dei refere-se ao Ofício Divino, mas em relação com o esforço geral de atenção a Deus (cf. 19,1-2; 7,10 e ss).
Comentário pastoral: Não se trata somente de observar o pedido do candidato por meio da sua participação ativa e consciente na Obra de Deus… mas também seu modo de integrar o que os formadores lhe propõem na ordem da práxis: utilização dos livros do coro, canto; estudo: história, teologia, estrutura da liturgia das horas; mistagogia: oração dos salmos, que o espírito esteja de acordo com o coração…
– A obediência
A obediência beneditina é uma consequência da oração (cf. 6,2), portanto comporta uma certa primazia. O 1º grau da humildade é a obediência sem demora (5,1).
O pedido de obediência (fervor, bom zelo) leva a obedecer não só aos superiores, mas também a todos os irmãos da comunidade (72,6). Esta obediência leva à união com Jesus Cristo, que disse “Eu não vim fazer a minha vontade, mas a daquele que me enviou” (RB 7,32 citando Jo 6).
Comentário pastoral: não esquecer que existem dois tipos de obediência em relação à liberdade:
– obediência por coerção: é o medo que faz agir;
– obediência por convicção: é a escolha que faz agir.
Na primeira forma de obediência, a liberdade é condicionada pelo medo do castigo; no segundo caso, é o livre arbítrio que prevalece (liberdade motivada pela razão): identifica-se com a obediência voluntária, de que fala Perfectae Caritatis.
– Opróbrios
Os opróbrios, se olharmos a possível fonte basiliana do texto (Basílio, Regra, 6-7), referem-se aos trabalhos modestos e seculares.
São Bento encarrega-se de toda a vida do candidato para ajudar na humildade por meio de inevitáveis humilhações (cf. 7,44-54). É assim que o candidato à vida monástica começa por aderir a Jesus Cristo, que se apresenta manso e humilde de coração, e que veio para servir e não para ser servido (Mt 11,29; Mc 10,45).
Comentário pastoral: não se trata de ser humilhado de propósito, intencionalmente, mas de aceitar uma vida de serviço e de simplicidade.
Conclusão
São Bento é muito concreto: a procura de Deus manifesta-se combatendo o egoísmo e o orgulho, pois isso impede a comunhão com Jesus Cristo e com o próximo.
Note-se, igualmente, que os três critérios propostos pelo Patriarca têm uma certa correspondência na escada da humildade. De fato, o 1º grau corresponde à relação do monge com Deus; os graus 2 a 4 referem-se à obediência; os graus 5 a 8 propõem o modo de se abaixar com a vergonha e a humilhação.
Por que motivo São Bento não menciona o silêncio como critério de discernimento? Não sabemos. Talvez por motivos literários ou pedagógicos.
No entanto, os graus 9 a 12 da humildade falam dele.
Resumindo, as propostas de São Bento podem ser reformuladas em duas perguntas: o candidato à vida monástica procura seguir e imitar o Cristo na sua oração, sua obediência e sua abnegação? Oração, obediência e humildade estão a serviço de uma verdadeira procura de Deus?
- A observância da Regra
O terceiro critério consiste na confrontação com a regra de vida da comunidade.
São Bento diz que ela deve ser lida ao candidato, por inteiro, três vezes antes da profissão final. A capacidade do candidato para observar pacientemente o que ela prescreve, é igualmente um critério de discernimento (58,9-16).
Comentário pastoral: Os comportamentos obedientes e humildes devem vivificar a observância da Regra inteira, sendo esta observância uma prova suplementar da procura de Deus. Além da Regra de São Bento o candidato deve conhecer os costumes da Ordem contidos nas Constituições e Usos da comunidade.
- O bom zelo
O pedido que o candidato à vida monástica deve manifestar está intimamente ligado ao bom zelo, típico de quem decidiu afastar-se dos vícios e dirigir seus passos para Deus. Por conseguinte, o cap. 72 da Regra, sobre o Bom Zelo, ou o amor mais ardente, oferece critérios suplementares para verificar o dom da vida e o crescimento na vida divina.
Em resumo, os critérios do bom zelo podem ser apresentados assim:
– respeitar-se uns aos outros (honra);
– ajudar-se mutuamente (paciência);
– obedecer-se mutuamente (obediência);
– renunciar a si mesmo, não ao vizinho (abnegação – oblação);
– amar-se (fraternidade, irmandade);
– temer a Deus com amor (começo da sabedoria);
– amar o abade / com afeição sincera (filiação);
– nada preferir ao Filho único! (Cristocentrismo).
Comentário pastoral: um noviço que não arde, pelo menos algumas vezes, com um zelo ardente, mesmo que seja excessivo, corre o risco de se tornar um professo solene medíocre. A sabedoria popular diz: “vassoura nova varre bem” e “burro velho não anda a trote”.
- Conclusão
É evidente que estes critérios, em particular o do bom zelo, valem, não só para a entrada na vida monástica e a perseverança, mas também para a passagem do monge e da monja para a vida eterna.
A doutrina do Patriarca, por causa de sua base evangélica, conserva seu valor. O ensinamento de São Bento exposto aqui deve ser levado em conta e traduzido para as circunstâncias do mundo de hoje.
O modo como seus princípios são encarnados pode mudar e enriquecer-se.
Dom Bernardo Olivera, OCSO
Antigo Abade Geral dos Trapistas
Fonte: https://www.aimintl.org/pt/2015-05-29-13-29-64/boletim-119/o-discernimento-vocacional-segundo-a-regra-de-sao-bento