CAPÍTULO II - O segredo do poder de São Bento

O que nos surpreende, o que nos maravilha em São Bento, é o poder, a fecundidade, que catorze séculos absolutamente não esgotaram. Se, à vista desses dons tão espantosos, se pergunta qual foi o segredo dum semelhante poder, duma tal fecundidade, encontra-se uma resposta nestas três palavras: a castidade, a humildade, as lágrimas.

São Gregório é admirável, quando, no segundo livro dos seus Diálogos, nos descobre o poder incomparável da castidade de São Bento. “Um dia, o santo teve uma tentação da carne tão violenta como nunca havia experimentado uma semelhante… Quase vencido, ele duvidava se não iria deixar o seu deserto, mas uma graça do alto fez subitamente que voltasse a si mesmo. Notando um lugar cheio de urtigas e de espinhos, despojou-se de suas vestes e lançou-se nu sobre as pontas dos espinhos, nesse braseiro de urtigas; aí se revolveu muito tempo e saiu com o corpo coberto de feridas. Estas tinham curado a chaga de sua alma; por seus esforços, a volúpia tinha-se mudado em dor. Por meio desse castigo do fogo, ele extinguiu o fogo impuro; tinha vencido o pecado. Desde esse momento, como ele próprio contava a seus discípulos, a tentação foi subjugada de tal maneira que nunca mais sentiu  o assalto da volúpia. Então começaram muitos a deixar o mundo e apressaram-se em colocar-se sob sua conduta. Isento da tentação, livre do pecado, ele se tornou mestre das virtudes: era justo”.

Então, diz São Gregório, para fazer-nos compreender bem o segredo desse poder de atração que admiramos em São Bento: ele tinha vencido a carne, era poderoso no espírito. O Espírito Santo fez escrever estas divinas palavras: “Oh, como é bela a geração dos castos!”. Sim, como é bela a geração de homens castos que, tendo começado em São Bento, durou mais de catorze séculos e, segundo uma promessa divina, durará até o fim dos tempos!

À castidade, São Bento acrescentou a humildade, sua companheira inseparável. Conforme o testemunho de seu santo biógrafo, ele preferia antes sofrer as injúrias do mundo do que receber seus louvores: Plus appetens mala mundi perpeti quam laudes. Nessa tão curta frase, São Gregório nos faz perceber, duma só vez, quão sublime era a humildade de São Bento. Sendo quem era, ele não podia deixar de sofrer da parte do mundo. Ora, não podia sofrer da parte do mundo senão duas coisas: ou males ou louvores; ele teve uns e outros. Para ele a coisa mais insuportável não era o que chamamos males, mas o que se lhe atribuía pelos louvores. Iluminado do alto, percebia o mal oculto debaixo desses louvores do mundo, fruto da vaidade naqueles que os dão e armadilha de vaidade para quem os recebe. O louvor enfraquece a alma, torna a oração difícil, a tentação inevitável. Já que se tem que sofrer alguma coisa da parte do mundo, São Bento preferia sofrer os males do que receber os louvores. Sofrer assim não envaidece absolutamente; sofrer assim nos impele para Deus, o soberano, o único bem. Nessa pura luz da humildade, que é a pura verdade, São Bento estava à vontade sob o olhar de Deus e dEle recebia inestimáveis favores, tanto para si mesmo, como para as almas que gravitavam em torno da sua. “O humilde é amado e consolado por Deus. Deus Se abaixa em direção a ele; dá-lhe a Sua graça e o faz em plenitude e grandeza. Revela-lhe os Seus segredos, convida-o e o atrai docemente a Si. O humilde permanece em Deus e não no mundo: Stat in Deo, non in mundo.

Elevado em Deus pelas duas asas da castidade e da humildade, São Bento se tornara um instrumento muito apropriado para as obras de Deus. Ele era, como diz São Paulo, um vaso de honra, um instrumento santificado e útil ao Senhor, disposto para toda a boa obra. Casto, ele podia dirigir as almas: humilde, penetrava os mistérios da vontade de Deus, e se prestava tanto melhor para o seu cumprimento, quanto era mais fiel em reservar somente a Deus a glória de todas as coisas. Non nobis, Domine, non nobis!

Não seria de crer que, sendo amigo de Deus, São Bento visse o bem se realizar sob suas mãos, sem ter que beber o cálice do sofrimento. Antes pelo contrário, quanto mais crescia a obra de Deus, tanto mais o incomparável santo tinha lágrimas para derramar. É a lei da providência de Deus. Desde o pecado original, triste fruto do prazer de um instante, o bem não se faz mais neste mundo senão como fruto da dor. Esta verdade não brilha em nenhuma parte com um fulgor mais impressionante do que em Nosso Senhor Jesus Cristo. O grão de trigo, diz o Salvador, não dará fruto nenhum se não morrer, se não for colocado na terra e fecundado pelas chuvas. São Bento também semeou com lágrimas. O sangue de Nosso Senhor caiu sobre a terra, e ele só tem toda a sua fecundidade onde lágrimas que só Deus conhece são derramadas abundantemente. Ele quis, não obstante, que nós conhecêssemos, ao menos em parte, as de São Bento, que chorava freqüentemente. Um padre se havia feito inimigo do santo: Deus o esmagou debaixo das ruínas de sua casa. Anunciou-se o fato a São Bento, não sem certa satisfação. O santo deplorou essa satisfação com tantas lágrimas, quantas derramou pela morte desse desventurado.

Um piedoso senhor, que São Bento honrava com sua amizade, entrou um dia na sua cela e o encontrou chorando com soluços. A vista dum tal amigo não estancou de modo nenhum as lágrimas do santo: Deus lhe havia revelado a futura destruição de seu mosteiro pelos lombardos; à força de lágrimas e de gemidos, obtivera de Deus a vida dos religiosos. Os lombardos, com efeito, saquearam tudo, mas não puderam atentar contra a vida deles.

As orações ordinárias do santo eram acompanhadas de lágrimas; mas, doces como a graça que as fazia brotar, com o amor que as derramava, elas corriam sem barulho. Que espetáculo mais grandioso, mais comovente, mais encantador do que o incomparável santo, tão casto, tão humilde, chorando, sem fazer ruído, diante de Deus!

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