CAPÍTULO 12 - A LIBERDADE DE ESPÍRITO
Ao escrever estas palavras, a liberdade de espírito, sentimos a necessidade de dar a sua definição. Em nossos dias se tem abusado tanto da palavra liberdade que se torna indispensável tomar as maiores precauções para não cair em qualquer um dos preconceitos ou erros modernos, enfeitando-se com o belo nome de liberdade.
Ora, por liberdade de espírito entendemos o estado duma alma, a qual nada impede em seu impulso para a perfeição, em seu vôo para Deus.
São Bento quer que o seu discípulo tenha a alma bem à vontade, o espírito inteiramente em paz. Se ao homem exterior ele impõe uma disciplina exata e uma regra à primeira vista severa, o homem interior, por sua vez, é posto em liberdade.
Aí há um grande trabalho, e São Bento não faz nenhuma dificuldade em reconhecer que os começos são um pouco penosos. Via salutis non nisi angusto initio incipienda. É o trabalho indispensável para desembaraçar a alma dos entraves que ela trouxe consigo ao vir do mundo. O pecado, e sobretudo o hábito do pecado, o desregramento das afeições, as miseráveis exigências duma vida demasiado sensual, são outros tantos obstáculos à santa liberdade de um filho de Deus. Não é sem custo que se se desprende de tantos entraves; mas à medida em que deles alguém se desembaraça, a dificuldade diminui e, depois, ela desaparece rapidamente, e o monge, feito obediente, não encontra mais na Regra nada de pesado, nada de difícil. Nihil asperum, nihil grave. Talvez, ao começar, ele mais se arrastava do que andava; contudo avançava, e isso é que é importante.
Desde a primeira hora, São Bento pede que seu discípulo esteja de boa vontade: Admonitionem pii patris libenter excipe. Quer que ele esteja alerta, bem decidido. Se Deus lhe clama: Quem quer a vida eterna? Ele Lhe responde: Eu!
Como caminhará aquele que assim começou? Após a dificuldade da primeira hora o caminho de Deus se alarga e, aumentando no discípulo de São Bento a boa vontade, ele antes corre do que anda. São Bento o diz claramente, e só no Prólogo da Regra, encontramos até três vezes este termo correr. “Se queremos chegar ao céu, diz o santo patriarca, não chegamos aí senão correndo: Nisi currendo minime pervenitur”_. E mais adiante: “É preciso correr e fazer agora o que nos deve aproveitar para a eternidade. Currendum et agendum est modo quod in perpetuum nobis expediat”. Pelo fim do mesmo Prólogo, São Bento repete ainda uma vez sua palavra favorita: “Com o coração dilatado, diz ele, por uma inenarrável doçura de amor, corre-se no caminho dos mandamentos de Deus: Dilatato corde, inenarrabili dilectionis dulcedine, curritur via mandatorum Dei”.
São Gregório Magno refere um fato extremamente interessante que citamos aqui, pois ele tem a sua significação. Havia na Campânia um solitário chamado Martinho. Morava numa caverna, estava preso a ela por uma cadeia de ferro, duma parte ligada a seu pé e de outra chumbada ao rochedo da caverna. São Bento soube do fato deste solitário e lhe mandou dizer: “Se és servo de Deus, não deves estar retido por uma cadeia de ferro, mas pela cadeia de Cristo: Si servus Dei es, non teneat te catena ferri, sed catena Christi”. O solitário obedeceu logo à palavra de São Bento: com efeito, a cadeia de Jesus Cristo lhe foi suficiente, pois, após ter deixado a sua cadeia de ferro, continuou do mesmo modo prisioneiro em sua caverna.
São Bento nos clama a todos a mesma coisa: Non teneat te catena ferri: deixai cair as cadeias de ferro de vossos pecados, de vossas paixões, de vossas vontades; há uma cadeia mais salutar, mais suave, mais leve, é a cadeia de Cristo: Catena Christi. Todas as outras são fardos, ela é porém a própria liberdade; nós não a levamos, ela é que nos leva. Portanto, como ela é desejável!
Quando o discípulo de São Bento encontrou este tesouro, todas as observâncias se cumprem sem custo nenhum: Absque ullo labore. O segredo desta facilidade no bem é que se aprendeu a amar o rei pelo qual se combate. Age-se então pelo princípio do amor de Jesus Cristo: Amore Christi. Este novo amor fez nascer um homem novo que, com hábitos novos, caminha livremente para o céu: Consuetudine ipsa bona. Então as virtudes cristãs e monásticas enchem o coração com uma suavidade incomparável: Delectatione ipsa virtutum. Como é fácil, depois disso, correr no caminho: Currendum et agendum est modo quod in perpetuum nobis expediat!
O discípulo não corre sozinho; São Bento está com ele, e vela com uma solicitude incomparável para que nada venha perturbar ou contristar o pacífico habitante da casa de Deus. Nemo perturbetur neque contristetur in domo Dei. No exterior nada perturba o monge fiel, pois tudo é muito bem regulado na casa de Deus. No interior nada existe que o possa entristecer: perto dele há um pai sempre vigilante, e um Deus que ama sem jamais interromper o ato divino pelo qual nos ama.
Havia saboreado este ensinamento, o autor que escrevia o seguinte:
“Ó Senhor meu Deus, livrai-me de minhas paixões e curai o meu coração de todas as suas afeições desordenadas, a fim de que, curado interiormente e bem purificado, eu me torne apto para amar.
É uma grande coisa o amor: é um bem inteiramente grande. Só ele torna leve qualquer fardo; à própria amargura ele dá doçura e gosto. O amor quer estar no alto: quer ser livre. Corre, voa, rejubila-se: é livre, nada o retém. Se alguém ama, este compreende”.