«Na África, quando um idoso morre, é toda uma biblioteca que pega fogo!» Esta afirmação, de um grande sábio africano, introduz-nos bem em nosso tema. O título como consta, não está completo. Na formulação do mesmo contentei-me com uma expressão apenas sugestiva. Deixem-me, agora, transcrever por extenso o tema tal qual foi concebido para este número do Boletim da AIM:
Como as culturas africanas, muito respeitosas para com seus mais velhos – e que por isso unem-se tão bem à tradição monástica – permitem-nos valorizar a presença dos monges e das monjas idosos nas comunidades monásticas.
Adentrando no assunto vou estender-me mais a respeito de como as culturas africanas valorizam a presença, cheia de sentido, das pessoas idosas. Um segundo ponto: como esta consideração pode esclarecer nossa convivência com as pessoas idosas em nossas comunidades, será um pouco mais resumido, pois considero que a regra e a tradição monásticas já são bem conhecidas por meus leitores os quais, rapidamente, estabelecerão as correspondências.
«Na África, quando um idoso morre, é toda uma biblioteca que pega fogo!» Todos sabemos que uma das maiores características das nossas sociedades africanas é que são sociedades de cultura e transmissão oral em todos os níveis: transmissão da sabedoria, da cultura, da história, da religião, dos arquivos e da memória de todo um povo…«Lembra-te dos dias de outrora, remonta o curso dos anos, interroga teu pai e ele te instruirá, os mais velhos e eles te narrarão» (Dt 32, 7).
Por ser a escrita completamente desconhecida, não havia senão a transmissão oral para garantir a continuidade, a sobrevivência e a perenidade de toda a experiência e de toda a memória plurissecular dos povos da África. Ora, quem diz transmissão, refere-se de um lado a alguém que sabe e, de outro, a alguém que procura saber. Face a face estão um passado e um futuro do conhecimento.
Os mais velhos são aqueles que têm o conhecimento das coisas, possuem a experiência e transmitem uma vivência. Os jovens são aqueles aos quais pertencem o futuro e o porvir. Mas, no presente, deve-se fazer uma troca constante entre os dois pólos da história. Como diz bem o provérbio, «é sobre uma corda velha que se tece a nova». Os jovens têm necessidade da ponta velha para, a partir daí, encaixarem sua contribuição e também fazerem a trama da única história. Se não há esta amarra no passado, corre-se o risco de fazer simplesmente pedaços, fragmentos, eventos e jamais uma história. Ora, um povo sem história não é um povo.
«Na África, quando um idoso morre, é toda uma biblioteca que pega fogo!» Um idoso não é somente um livro, mas uma enciclopédia e muito mais; um idoso não é simplesmente uma enciclopédia, mesmo bem documentada a respeito de um determinado tema, mas um conjunto de enciclopédias sobre muitos, talvez sobre todos os assuntos da vida. Neste sentido, portanto, um idoso é verdadeiramente uma biblioteca. Junto de um idoso vamos haurir na fonte da experiência, da história, da cultura, da lingüística, da religião, da genealogia, da agricultura, da cosmogonia e nem sei mais o que… Além disso, o idoso é como os arquivos de todo um grupo humano, de todo um povo. Como tal, merece uma completa atenção, todo um respeito, toda uma consideração. Tem a importância de uma biblioteca, de um banco de dados que alimentamos e guardamos com o maior zelo. O idoso é um banco de dados, não somente pela sua memória e suas narrações, mas também em seu corpo; nos seus traços, nos seus objetos (por exemplo, ver as fotos de um idoso, permite seguir a trama de toda a história e da evolução do seu meio).
A precariedade da vida, as condições difíceis de sobrevivência, a seleção natural muito severa e a expectativa de vida muito baixa de nossos povos, fazem com que se aprecie enormemente aqueles que sobrevivem como testemunhas de um tempo que já se foi, de cujo passado somente eles guardam a memória, relíquias vivas de tantas páginas da história que nunca mais se poderá folhear. Igual a uma biblioteca de valor imenso nas culturas letradas, assim é um idoso em nossas sociedades de transmissão oral da sabedoria: seu preço é inestimável.
Na África as sociedades são na maioria iniciáticas. Ninguém se torna membro dessas sociedades a não ser pela iniciação, por uma transmissão, por uma cadeia ininterrupta na qual o outro, que é a minha referência, constitui o meu valor. Assim também eu, mais tarde, tornando-me referência para um outro, me constituirei em seu valor. A oralidade e a transmissão da sabedoria personalizam toda aquisição e lhe dão um sabor de vida. Ninguém será nada se não estiver em referência a um outro, no tempo e no espaço. Portanto, o idoso, a partir do elo vital e concreto que constitui, transmite-nos mais uma vida do que um acervo de conhecimentos e, desse modo, encarna um valor superior ao de uma biblioteca; pois esta não cria um laço relacional, vital e existencial entre aquele que transmite um conhecimento e o que o recebe. O idoso torna-se um mestre de sabedoria, um mestre de vida no pleno sentido da palavra magister, da qual deriva o nosso termo magistério.
É claro que o fator idade, isoladamente, não basta para investir alguém neste poder quase sagrado de magister. Quanto a isso nossas sociedades não se enganam. Assim como um idoso, que encarna a autoridade enquanto referência na vida social, é respeitado, considerado, amado e obedecido como se isso acontecesse espontaneamente, igualmente um idoso que só é respeitado por seus cabelos brancos, é visto como um fracassado que se suporta apenas por caridade.
Na África, para envelhecer bem e não se dar mal é necessário haver feito uma certa experiência de contemplação. E ouso afirmar que os nossos velhos ou são poetas ou vazios, filósofos ou loucos, contemplativos ou completamente decadentes e embrutecidos por nossas situações de vida. Ora, os velhos dos quais falo aqui são aqueles que não fracassaram e que no seu íntimo têm uma profunda experiência de contemplação. Com efeito, quando um velho lhe responde com um provérbio ou uma narração de tartaruga ou de aranha, ou com o que disse o pedregulho ou o lagarto num dia de chuva… não seria simplesmente um modo de colocá-lo perante um ícone para que você faça uma metanía e possa meditar durante muito tempo? Estamos assim tão longe da experiência de tantos contemplativos?
A presença do invisível, à qual nossas culturas nos habituam, pacifica-nos. Quando se observa bem o rosto de um sábio africano, o que nos causa admiração é a paz que irradia, mesmo através das rugas que o sofrimento sulcou em sua face. E esta paz que daí emana deriva dessa capacidade de paciência, de interioridade e de silêncio que ele acumulou em horas de silêncio, de contemplação. «Como se visse o invisível!» A paz monástica não é fruto da contemplação?
Aquele que conhece através do coração, que experimenta no seu íntimo, este não fala; sabe que toda palavra é inadequada para traduzir o que vive. «Fala, se tens palavras mais fortes que o silêncio» – dizia alguém. Foi o que também Jó experimentou: «Eu não te conhecia senão por ouvir falar, mas agora meus olhos te viram. Assim retiro minhas palavras» (Jo 42, 5). A vida dos grandes orantes e dos Pais do deserto está aí para nos convencer de que o silêncio é fruto da contemplação, ao mesmo tempo em que ele a permite. O silêncio preenchido por uma presença basta para retirar-nos da insignificância do momento e, portanto, do tédio. Assim, é possível, na África, ver pessoas idosas esperar durante horas, sem impacientar-se. Pois a sua inatividade silenciosa está ocupada por uma presença: a do mistério de cada instante que elas vivem. Estar perante o invisível, diante do nada, é o início da loucura ou o início da contemplação. Uma presença invisível enche o vazio e causa uma sensação de plenitude.
Podemos manipular o passado e o futuro, jamais o instante presente. O hic et nunc (aqui e agora) pertencem a Deus que no-los dá e não podemos senão acolhê-los. Quando pensamos em manipulá-los a nosso bel-prazer já passaram ou ainda não estão aqui. Viver o instante presente permite-nos uma outra experiência: estarmos todos naquilo que se vive e no que se faz. Dou-me todo por inteiro ao que vivo atualmente. Esta plenitude de presença às coisas, às pessoas e realidades quotidianas é um louvor Àquele que no-las oferece, pois sabemos que no instante presente nada tenho de mais necessário, de mais precioso para viver senão aquilo que estou vivendo. Não vivo isto na falta daquilo. Eu o vivo como o mais belo instante, como minha razão de ser neste momento preciso. Isto dá um sentido a todo instante da minha vida, a ponto de jamais ter a impressão de viver, em minha vida, um parêntese, esperando a verdadeira vida. O problema do sentido da vida é um problema ocidental. Para o africano a questão não está em como encontrar um sentido para a vida, mas como melhor saborear a vida, como melhor degustar esta poesia que é a vida. Como encher de plenitude o instante presente?
Diante de um idoso que encarna a autoridade de um referencial na vida da sociedade, temos uma reverência que está um pouco na linha do sagrado, do mistério da vida. Encontramo-nos como que diante de um tabernáculo, de uma presença que transcende nosso mundo profano. Suas palavras carregam o peso de uma benção ou de uma maldição, porque jorram de uma fonte límpida, que na torrente das idades e das provações da vida, foram decantadas de todo egoísmo, coadas no filtro do desinteresse e purificadas pelo temor do Criador e no respeito pela vida do outro.
A escuta destas pessoas abre nosso coração ao som da voz do Criador e da natureza que, ao longo das horas de silêncio, terminaram por se encarnar e, enfim, se traduzirem em nossas palavras humanas. Tais palavras destilam como que um orvalho a ungir essa intimidade guardada zelosamente ao longo dos anos; nela, a alma cultivou o pudor de não revelar, a quem lhe desconhece o valor, este tesouro que não poderia ser lançado aos porcos.
A obediência a estas pessoas nos torna participantes da bênção que elas próprias vivenciaram longamente na terra, para serem testemunhas das maravilhas de sempre daquele que governa o universo.
O respeito que dedicamos a estas pessoas e a maneira com que as honramos constrói a nossa própria honradez no conjunto das pessoas respeitáveis do clã ou do povo.
A confiança que podemos inspirar a tais pessoas nos habilita como depositários do rico patrimônio do mel e da sabedoria que elas laboriosamente, no correr dos anos, recolheram e elaboraram nas flores de cada encontro e experiência de vida.
Enfim, poder, a justo título, considerar-se pertencente ao círculo dessas pessoas, coloca-nos também na linhagem e na sucessão dessas colunas de sabedoria, sobre as quais repousa todo um sistema social que, dignamente, a sociedade inteira pensa em legar às gerações futuras.
Assim compreendemos a grande importância do idoso na sociedade africana. Também desse modo compreendemos quão digno é tornar-se idoso. Reivindicamos para nós esta honra de sermos considerados como um velho, um ancião, um idoso, um patriarca. É assim que eu, hoje, com os meus 51 anos, sinto-me orgulhoso e espero ser um patriarca em minha comunidade, na qual a média de idades é apenas superior a 35 anos, e na sociedade togolesa, na qual mais de 60% têm menos de 20 anos.
Agora vocês compreendem porque, na vida monástica, o ensino da Regra e da Tradição no que concerne aos mais velhos, e de outro lado o dia-a-dia junto aos idosos nos mosteiros, encontram profunda ressonância em mim. Trazendo em mim como adquirido com o leite materno, este «culto do mais velho e do idoso», o diálogo com a vida monástica não é difícil. Minhas expectativas alcançaram uma realização nesta vida. Isso explica porque não hesitei em dizer sim quando me propuseram partilhar com vocês, cara leitora e caro leitor, estas poucas linhas. Sei que há irmãos e irmãs mais capazes e que poderiam trazer melhor contribuição. Desejo simplesmente que este pequeno texto suscite uma partilha mais extensa e mais profunda em torno deste valor que é comum à nossa tradição africana e à nossa vida monástica.
Tendo como base o que acabo de dizer acima e que me foi dado por minha cultura africana, saboreio as páginas da Regra de São Bento a respeito dos mais velhos ou anciãos, sonhando tornar-me, também eu, um ancião na comunidade.
«Escuta, filho, os preceitos do Mestre e inclina o ouvido de teu coração. Recebe de boa vontade a exortação de um pai cheio de bondade e coloca-a em prática…» (RB, Prólogo 1). Esta bela frase introdutória da Regra de São Bento faz-me voltar aos serões ao ar livre em nossas aldeias, onde ao luar, toda a comunidade se reunia em torno dos anciãos para literalmente beber na fonte da sabedoria dos mais velhos, através de seus contos, adivinhações e histórias de suas vidas e do clã. Assim não faço esforço algum em imaginar as pessoas correndo para o deserto, para junto dos Abbas e, junto deles, pedindo com insistência uma palavra de vida. Quantos Apoftegmas não poderiam ser comparados aos relatos de sabedoria que nutriram tantas gerações de africanos!
«Se for preciso fazer alguma coisa de menor importância no interesse do mosteiro, solicite o Abade somente o conselho dos anciãos, conforme esta escrito: “Faze todo com conselho e depois de feito não te arrependerás”» (RB 3, 12). Aconselhar-se com os anciãos lembra-me também as assembléias quase diárias dos mais velhos no pátio do chefe para discutir a respeito de tudo e de nada na vida da aldeia. As longas horas de falação dos antigos para harmonizar e verificar a releitura da história da aldeia. É nestas ocasiões que o «jovem que sabe lavar as mãos» pode ser convidado a comer com os mais velhos. Com efeito, o jovem que é polido e serviçal pode participar destas longas discussões cheias de ensinamento, exatamente porque um mais velho o associou a si, pedindo para trazer seu tamborete, sua esteira, ou sua pele de animal para debaixo da árvore da palavra(1), ou para ir acender o seu cachimbo. A história do fim do profeta Elias, no qual promete ao discípulo Eliseu dar o seu espírito se este o visse partir está em coerência com estas cenas da vida cotidiana junto aos mais velhos.
«Venerar os mais velhos; amar os mais moços» (RB 4, 70-71). «Honrem os mais moços aos mais velhos que eles e os mais velhos amem aos irmãos mais moços. No próprio modo de chamar pelo nome, a ninguém seja permitido chamar o outro pelos simples nome, mas os mais velhos chamem aos moços pelo nome de irmãos e os mais moços chamem aos mais velhos de “nonos”, o que significa reverência paterna» (RB 63, 10-12). «Em qualquer lugar em que se encontrem os irmãos, peça o mais moço a bênção ao mais velho. Passando um mais velho, levante-se o mais moço e ceda-lhe o lugar, e não presuma o mais moço se assentar junto, a não ser que o convide o seu irmão mais velho, a fim de que se faça o que está escrito: “Antecipando-se mutuamente em honra”» (RB 63, 15-17).
Quando entre nós um jovem tem um comportamento irreverente faz-se a pergunta: Será que em sua casa não há um mais velho? O convívio com os idosos nos forma espontaneamente para um comportamento de respeito e de cortesia. Este comportamento nos marca de tal maneira que somos possuídos pelo temor de faltar ao respeito. A presença dos mais velhos é uma verdadeira história de vida. Ensina-nos a saber temperar o ardor de nossos impulsos e a ver que nossa vida, nossas energias, nosso vigor… têm um declínio.
«O oitavo grau da humildade consiste em que só faça o monge o que lhe exortam a Regra comum do mosteiro e os exemplos dos mais velhos» (RB 7, 55). A tradição, eis uma realidade muito importante nas sociedades africanas nas quais, como vimos acima, nada somos senão por meio de uma iniciação. É colocar os meus passos nos passos de um outro que me garante percorrer um bom caminho nesta terra de passagem, em vista da pátria eterna onde reencontrarei todos aqueles que antes de mim percorreram também, fielmente, este caminho. O exemplo dos mais velhos é para nós a melhor escola de vida. Com efeito, ser discípulo não é precisamente colocar os meus passos naqueles dos meus mestres? No mosteiro, que é uma escola onde se aprende a servir o Senhor, é perfeitamente normal que a relação mestre /discípulo seja uma exigência. Uma coisa muito bela na iniciação é que não somente nos dizem o que imitar, mas freqüentemente somos tomados pela mão ou pelo pé, ou nos fazem curvar a cabeça para que façamos, sob a mão de quem nos inicia, tudo o que devemos fazer.
«Se houver algum irmão teimoso ou desobediente, soberbo ou murmurador, ou em algum modo contrário à santa Regra, e desprezador dos preceitos dos seus superiores, seja ele admoestado, conforme o preceito de nosso Senhor, a primeira e a segunda vez, em particular pelos seus superiores. Se não se emendar, seja repreendido publicamente, diante de todos»(RB 23, 1-3).
«Cuide o Abade com toda a solicitude dos irmãos que caírem em faltas, porque “não é para os sadios que o médico é necessário, mas para os que estão doentes”. Por isso, como sábio médico, deve usar de todos os meios, enviar “simpectas”, isto é, irmãos mais velhos e sábios que, em particular, consolem o irmão flutuante e o induzam a uma humilde satisfação, o consolem “para que não seja absorvido por demasiada tristeza”, mas, como diz ainda o Apóstolo, “confirme-se a caridade para com ele”, e rezem todos por ele» (RB 27, 1-4).
A função dos mais velhos como mediação, para reconduzir os indóceis ao bom caminho, para restaurar o tecido social cada vez que se rompe é muito conhecido em nossa sociedade. O idoso que sabe oferecer uma boa palavra, dizer um bom provérbio, evocar uma narrativa conveniente no momento e no contexto oportunos, desfaz facilmente os bloqueios que longas discussões ou razoáveis raciocínios só conseguiriam complicar ainda mais.
Em todo caso, seja em nossas sociedades tradicionais, ou nas comunidades monásticas, a presença dos mais velhos é uma bênção. No entanto, devemos estar atentos em nossas comunidades africanas a que um certo direito de ancianidade não extinga a motivação dos jovens, seu entusiasmo e generosidade a ponto de comprometer a relação harmoniosa entre as gerações. De outro lado, se prestarmos verdadeiramente a atenção, não são os bons idosos que têm dificuldade de harmonizar-se com os jovens. Sempre fiquei admirado por ver quantos idosos são a tal ponto jovens de espírito e curiosos em aprender com os jovens e abrir-se às novidades. Aliás, não se diz, entre nós, que o ouvido nunca é velho demais para aprender? Freqüentemente há uma real cumplicidade entre os muito jovens e os mais velhos; as verdadeiras dificuldades residem mais entre aqueles que são ainda suficientemente vigorosos para entrar na luta pelo poder. Aqueles que envelheceram mal são os que se apegam maldosamente a um certo direito de ancianidade; de fato, isto nada mais é do que um modo de esconder de si mesmos a censura por não terem conseguido adquirir a autoridade que lhes permitiria ser respeitados e considerados como uma referência na sociedade ou na comunidade. Vou ainda mais longe dizendo o seguinte: freqüentemente, quando alguém não aprofundou sua vida espiritual, feita de intimidade e interioridade com o Único, o que lhe permite ser valorizado, então este alguém se aproveita indevidamente da menor ocasião para se fazer valer. Se a minha vida está repleta pela presença dAquele que vim procurar no mosteiro, então não tenho mais razão de lamentar-me por não ser considerado. «Sou precioso aos olhos do meu Senhor e isto me basta!» Pelo contrário, sabemos que com freqüência os pais do deserto fugiam sempre para mais longe a fim de escaparem da multidão que os submergia e roubava estas horas preciosas de solidão com o único tesouro de sua vida. Muito mais do que nas sociedades africanas, é uma experiência de contemplação que fará de nossos mais velhos na vida monástica, mestres espirituais, juntos dos quais as multidões virão saciar a sua sede. «Abba, dá-me uma palavra de vida!» No crepúsculo de uma vida, saber que as pessoas vêm a nós para serem iniciadas no caminho do serviço do Senhor, seria um testemunho de que não perdemos nosso tempo.
Como eu me encaminho tranqüilamente para me tornar também um idoso em minha comunidade, o que acabo de dizer é como que uma reflexão em voz alta, dirigida primeiramente a mim mesmo. Desejo-o a nós, que carregamos agora, a pesada responsabilidade de ser anciãos em nossas jovens comunidades da África, que nos tornemos verdadeiramente referências para nossos irmãos e irmãs. Guardo sempre na lembrança o meu primeiro encontro, em 1984, em Chevetogne, na Bélgica, com um monge cujos anos de profissão eram o dobro de meus anos de vida. Foi para mim ocasião de espanto e de ação de graças ver que é possível vivenciar o sim ao Senhor durante toda uma vida! Bem fraternalmente.
P. Boniface Tiguila, OSB,
é Prior do Monastère de l’Incarnation, em Agbang, Togo (África).
Traduzido do francês por Madre Paula Ramos, OSB,
Mosteiro da Santíssima Trindade, Santa Cruz do Sul, RS.
(1) N.T. Na África ocidental (Nigéria, Togo, Costa do Marfim e Benim), notadamente entre o povo iorubá existem árvores veneradas pelas populações locais: baobá, iroco, jaqueira, etc.