3. – O ABADE

São Bento escreveu em sua Regra: “CRÊ-SE QUE O ABADE OCUPA NO MOSTEIRO O LUGAR DE CRISTO, POIS QUE SE LHE DÁ SEU NOME: “ABBA”, QUER DIZER PAI.”[15] No pensamento de nosso Santo Legislador, o chefe da comunidade representa a divina paternidade do  Cristo Senhor e é investido dela. Os monges devem pois ver em seu Abade a realeza, o sacerdócio e a paternidade pastoral do Filho de Deus.” Quão grande é o Abade aos olhos da fé! “A autoridade é Deus.”

“Numa época e num país em que o princípio da autoridade está completamente abalado e quase derrubado, devemos a todo preço elevá-la entre nós e considerá-la, segundo a doutrina de nossos Padres e da Igreja, como a base mais indispensável e mais sagrada de nossa ordem social e de nossa santificação pessoal. Eis um princípio no qual não se toca jamais impunemente. Se a autoridade é abalada, por qualquer motivo que seja, a comunidade é abalada. O princípio da autoridade é fundamental.”

É necessário então habituar-se a ver Deus em seus superiores. “Os superiores são o sacramento da autoridade de Deus. Deve-se considerar a autoridade como o Santíssimo Sacramento:  “Fracto demum sacramento, ne vacilles, sed memento tantum esse sub fragmento quantum toto tegitur”. “Quando a hóstia é quebrada, não te perturbes. Lembra-te que Ele está tanto na parte como no todo”[16]. É necessário não se enganar sobre isso: na Igreja, a menor parcela de autoridade exercida por um superior de casa religiosa é a autoridade de Jesus Cristo Rei. É Ele.  Não é tal ou tal pessoa.  Daí vem o texto do Evangelho que São Bento cita no capítulo quinto da Regra[17], aplicando-o aos Superiores:  “Quem vos ouve, a mim ouve. Quem vos despreza, a mim despreza.”[18]

Como fazer na prática? – “Habituar-se a respeitar Nosso Senhor presente no Sacramento da autoridade, como se respeita Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento. Durante ao menos quatro anos, no começo de minha vida religiosa, a cada manhã, durante a ação de graças, eu adorava a Deus na pessoa de meus superiores ao mesmo tempo que O adorava na Eucaristia. Isso me foi muito salutar.” – Mas se formos tentados a ver o homem em nosso superior? – “Na pessoa dos superiores só temos a considerar uma coisa:  a autoridade vinda de Deus através da Igreja.”

É necessário então estar sempre do lado da autoridade. – “Os membros da comunidade são mais ou menos religiosos na medida em que são mais ou menos intransigentes quando se trata de sustentar a autoridade.” – Não se tem às vezes boas razões para se afastar dela? “O religioso que se afasta da autoridade aproxima-se do demônio. Se numa comunidade, algumas almas se desviam da autoridade, tornam-se estranhas à autoridade, elas não o fazem nunca, nunca, impunemente. É um começo de suicídio; a alma mata, começa a matar sua vocação. O resultado é infalível. Quando a alma perde a fidelidade à autoridade, ela perde tudo.” – Por quê? – “A autoridade tem Deus em si. Quem está contra a autoridade está pois com Satanás. O senhor despreza seu Superior; não é tal homem que é desprezado, mas a autoridade de Nosso Senhor.”

E a comunidade fica dividida – “A autoridade é um bem comum. Devemos todos conservá-la, sem exceção. Se todos os indivíduos concorrem para manter a autoridade, eles firmam a comunidade.”

“A autoridade deve ser soberanamente respeitada. Tudo, na comunidade, deve ser sacrificado para mantê-la.”

Quais são as características da autoridade do Abade? – “Ela é pastoral, monárquica, paternal. Pastoral, pois que ela tem por finalidade dirigir as almas: “Pasce agnos meos, pasce oves meas”[19]. Monárquica, porque ela emana de Deus. Paternal, porque a autoridade de Deus é paternal e a da Igreja também. Tais são as três características sobre as quais repousa o estado religioso e toda comunidade religiosa.”

O Pe. Muard explica em suas Constituições que nada deve escapar à autoridade do Abade, porque ele é “a cabeça de um corpo do qual todos os irmãos são os membros. E como o próprio da cabeça no corpo humano é governar, conduzir, formar todos os movimentos e todas as ações, e que, tudo se referindo a ela, não se passa nada de que ela não seja a origem e o princípio, é necessário também, numa comunidade bem regrada, que tudo se faça pelas ordens e na dependência do Superior, que ele disponha de todas as coisas para a utilidade geral e o bem dos particulares, designando a cada um suas ocupações e seus exercícios, que ele dirija suas consciências, que ele regule sua piedade, e que não haja nada sobre o qual não se estenda sua vista e direção. É isso que pensava São Bento quando declarou que o superior deve ocupar o lugar de Cristo no mosteiro, que ele tem tudo à sua disposição e que não há nada que não esteja submisso às suas ordens.”[20] “…São Bento concebe e define o Abade como a alma, a vida, o centro, o árbitro e o motor da família monástica.”

Conseqüentemente ele está obrigado a residir sempre no mosteiro. – “E permanecendo no mosteiro, ele deve se mostrar sempre acessível; a fim de que a toda hora do dia e da noite as almas que lhe são confiadas possam abordá-lo sem temor algum, com a confiança de encontrar sempre uma acolhida paternal e atenciosa.”

Seus irmãos abrir-lhe-ão também com facilidade suas almas. “O Abade só terá sobre cada um deles conhecimentos conjeturais e incertos, observa o Pe. Muardse eles não tiverem o cuidado de lhe mostrar o fundo de seus corações, de lhe descobrir todos os movimentos e de lhe expor até suas menores dobras”. E ele estabelece que “todos os meses, os beneditinos darão conta ao Abade do estado de sua consciência, de sua mortificação, de seu trabalho intelectual e manual, do estado de sua saúde e das necessidades que eles possam ter.”[21] – “Não se verá nunca um monge sinceramente humilde e desejoso de adquirir a santidade que não seja fiel ao quinto grau da humildade assim como à constante direção.” – “O QUINTO GRAU DA HUMILDADE CONSISTE, diz São Bento, EM QUE POR UMA HUMILDE CONFIDÊNCIA NÃO SE ESCONDA A SEU ABADE NENHUM DOS MAUS PENSAMENTOS QUE SOBREVENHAM AO CORAÇÃO OU AS FALTAS COMETIDAS OCULTAMENTE”[22]A seu Abade? Por que não a um padre de fora? – “Quando se sente desejos de fazer a direção fora, arrisca-se muito a agir por amor próprio. Temos necessidade de nos conhecermos a nós mesmos e de sermos conhecidos pelas pessoas encarregadas de nos dirigir. E para ser conhecido, é necessário viver junto.”

É obrigatório dizer tudo na direção? – “Se uma falta é secreta, pode-se dizê-la ou não. Há inteira liberdade. O direito dos Superiores é de servi-lo. O senhor não querendo; eles não o servirão. O senhor não a diz, ninguém lhe perguntará a respeito. Se é de seu interesse ter uma grande abertura de coração, os Superiores devem ser também extremamente delicados e eles o são! Eles devem respeitar a sua liberdade, como o próprio Deus a respeita. Mas diga tudo, tudo, a seu Pai. Seja para com ele como uma criança ingênua e simples, e faça isso por espírito de fé, vendo nele a autoridade do próprio Deus. Torne-se perfeito na abertura de alma e na simplicidade infantil para com ele. É um ponto da mais alta importância e do qual depende em grande parte sua santificação. Deus o quer.” – Podemos ficar incomodados, intimidados – “Quando experimentamos timidez, é a nós que devemos acusar.” – Ele brigou comigo, e eu sou susceptível – “Quanto mais os homens estão errados, mais são susceptíveis… e menos eles são capazes de suportar a verdade acerca deles mesmos. É duro advertir surdos voluntários, mostrar a luz a cegos voluntários!” – Temos, entretanto, necessidade de sermos repreendidos – “Em todas as personalidades há remendos a fazer”. – O senhor vai até esse ponto, decididamente, com seus filhos? – “O costume foi mantido quase unanimemente de se poder dizer a cada um o que lhe convém sem rodeios, nem precauções. Isso é proveitoso para eles.”

De outra parte, a unidade de direção faz a unidade da comunidade – “Se todos os indivíduos passam pela mesma direção, eles terão uma mesma formação, e a comunidade inteira será encaminhada na via que lhe convém melhor. O quinto grau da humildade basta, através da direção, para inculcar a unidade na marcha da comunidade. É um princípio de coesão. É o vínculo de coesão da comunidade. Que pode afinal fazer uma comunidade na qual a direção espiritual está ausente ou se reduz a nada? É um corpo desprovido de coesão e de homogeneidade, privado do vínculo mais necessário que é o vínculo espiritual. Este se estabelece, se mantém e dá frutos suaves de união, de paz e de harmonia pela prática assídua do quinto grau.”

Como o Abade deve exercer sua autoridade? – “Nenhuma hesitação possível na escolha entre a autoridade exercida com vigor e a autoridade exercida com fraqueza. A fraqueza é um princípio de ruína para a comunidade. O vigor, um princípio de incômodo e de sofrimentos para algumas pessoas (de caráter delicado, sensível; de espírito difícil de governar), mas o conjunto da comunidade ganha com isso. Porque sendo fundamental o princípio da autoridade, à medida que ela é exercida, mesmo com uma nuance de energia um pouco acentuada demais, a marcha da comunidade se mantém. À frente de cada grupo de monges e de monjas, é necessário haver chefes que não temam fazer uso da autoridade, pois a autoridade não é deles, mas de Deus. São Bento acreditava em sua autoridade, dela se servia segundo as necessidades de seus discípulos.” – E Nosso Senhor? – “Nosso Senhor não instituiu o sistema de cautelas. Ele não poupou nada. Os Apóstolos seguiram suas pegadas. Eles não esconderam nada, não diminuíram nada, não atenuaram nada. Ora, veja o que aconteceu: o mundo foi convertido.”

“É, portanto, necessário haver chefes que conduzam o combate da mesma maneira que nosso bem-aventurado Pai; que saibam orientar o combate, orientar a comunidade, orientar cada cabeça da maneira mais direta em direção à finalidade única: conquistar a semelhança com Jesus Cristo, estabelecer o império da graça sobre a natureza, da humildade sobre o orgulho e o amor próprio, da mortificação e da penitência sobre a sensualidade.”

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