CAPÍTULO 1 - SÃO BENTO E SUA OBRA NA IGREJA
Aprouve muitas vezes a Deus, que falou a Moisés no monte Sinai, falar a seus santos no cume das montanhas, longe do mundo, perto do céu. Monte Cassino é um desses lugares abençoados; lá se ergue, como sobre uma base de granito, a grande imagem de São Bento. A mão de Deus que o tinha arrebatado do mundo, conduziu-o à solidão, e o moldou para ser o pai da maior família monástica que já houve na Igreja.
Ele começou, diz Bossuet, por onde os outros acabam, ou seja, pela perfeição. Sua primeira vitória sobre o mundo foi completa, decisiva: a vitória que ele alcançou pouco depois sobre si mesmo, triunfando sobre os atrativos da voluptuosidade, não foi menos completa nem menos decisiva. Em seguida correu com um passo livre e seguro no caminho de Deus, e, como nota o mais ilustre dos seus discípulos, São Gregório Magno, tendo-se tornado eleito de Deus, tornou-se doutor das almas. Electi, doctores animarum fiunt.
Era admirável ver São Bento, tão jovem ainda, cercado de discípulos, ensinando-lhes o caminho da perfeição monástica. A humildade do pai foi a medida da multiplicação dos filhos: “De modo que para fazer o seu panegírico em poucas palavras e resumir seus louvores, seria preciso apenas destacar que Deus o julgou bastante digno de ser a cabeça desse grande corpo, dessa ordem tão célebre, tão santa, tão ilustre, tão útil e tão gloriosa para a Igreja; seria preciso apenas dizer que ele teve em grau eminente todas as virtudes, as perfeições, os méritos, as coroas, as auréolas dessa multidão inumerável de santos patriarcas, profetas, homens apostólicos, mártires, pontífices, confessores e virgens que pertenceram à sua ordem e nela permanecerão até a consumação dos séculos, aos quais ele comunicou e comunica continuamente tanto a santidade que eles tiveram na terra como a glória e felicidade que possuem no céu… Quanta glória deram a Deus, quantos sacrifícios Lhe ofereceram, quantas almas Lhe ganharam, quantos infiéis converteram, quantos fiéis santificaram, quantos povos instruíram, quantas paróquias governaram, quantos sacramentos administraram, quantos ofícios divinos cantaram, quantos serviços prestaram à Igreja, quantas orações vocais, quantas orações mentais, quantos jejuns, quantas vigílias, quantas esmolas, quantas penitências, quantas obras de caridade fizeram, quantos atos de virtude praticaram. Depois de Deus, é São Bento o autor de todas essas coisas, ele as desejou ardentemente, pediu-as nas suas orações, obteve-as pelas suas preces, mereceu-as pelas suas boas obras e previu-as por seu espírito profético: portanto tem delas a alegria, a recompensa e a glória acidental, como frutos de seus trabalhos, colheitas de suas sementes, efeitos de suas influências”.
Mostrar São Bento em todas as suas grandezas seria uma tarefa muito além de nossas forças: entretanto, querendo prestar-lhe ao menos uma pequena homenagem, nós nos determinamos a publicar algumas de suas máximas.
Os antigos concílios testemunham que São Bento foi assistido pelo mesmo espírito de Deus que ditou os cânones dos concílios. São Gregório Magno, esse experimentado apreciador do mérito, diz que ele foi repleto do espírito de todos os justos: que era uma lâmpada colocada sobre o candelabro para iluminar toda a casa de Deus.
Será bom para nós desfrutar dessa luz e entrar assim no íntimo do pensamento dum santo que penetrou tanto mais profundamente no pensamento de Deus quanto mais humilde era diante de seu Criador. Pois, se é verdade, como ensina São Gregório, que o orgulho é sempre estranho à verdade, não seria menos verdade dizer que a humildade está sempre na posse e no gozo da verdade de Deus.
Ora, São Bento foi humilde: ele o era para com Deus e para com todos. Seus próprios inimigos, os que tentaram envenená-lo, não puderam alterar a sua paz, a sua doçura, a sua invencível humildade. Sempre ele se via sob o olhar de Deus, segundo o testemunho de seu santo biógrafo e, por conseguinte, lia sem cessar no livro da verdade eterna, aprendendo desse modo a desprezar-se a si mesmo e a só fazer caso de Deus.
Foi assim que São Bento atraiu para sua alma essas ondas maravilhosas de luz divina que lhe revelava o fundo dos corações, os pensamentos mais secretos, os acontecimentos que ocorriam longe dele, e mesmo aqueles que não deviam suceder senão após longos anos.
Deus derramava em abundância a sua luz nessa alma vazia de si mesma e faminta só de Deus. Enriquecido com os tesouros da sabedoria do alto, São Bento escreveu a santa Regra. É o nome que ele mesmo lhe dá e que a tradição conservou e consagrou. É nela que São Bento descreveu a si mesmo, pois só ensinou o que fez.
É nela também que estudaremos o seu espírito. Para abarcá-lo na sua plenitude, seria preciso contar, pesar, penetrar todas as palavras da santa Regra; não seríamos capazes de um trabalho tão amplo: vamos nos limitar a colher num campo tão vasto e variado algumas flores cuja cor, odor e perfume possam ser úteis a nossos leitores. Queira Deus que essas flores, ao passarem por nossas mãos, nada percam de sua frescura nativa, de sua graça original, de sua virtude sobrenatural.